País das maravilhas
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Mais do que ajudar uma velhinha a atravessar uma rua, não deitar beatas para o chão ou andar de autocarro todos os dias, eu acho que ouvir o Fórum TSF no período da manhã é um estimável exercício de cidadania. Eu sei que para ouvir o Fórum TSF não se pode andar de autocarro, é impossível ajudar a tal velhinha e apetece fumar imenso, mas não se pode ter tudo e, a haver opção, optemos então pelo Fórum.
O Fórum é um espelho. E um espelho de primeira água, nada daquela quinquilharia de feira onde a imagem se deforma à vontade do dono. Estamos ali, cidadãos lusos, escarrapachados, cuspidos e escarrados, para usar uma terminologia que fez época ao tempo de algumas telenovelas brasileiras, antes do evento do José Eduardo Moniz e do José Castelo-Branco (olha, Carlota, cá está um hífen…). Ouvir um Fórum da TSF é conhecermo-nos melhor, é sabermos quem somos, é um exercício formidável de ginásio para as meninges, é, enfim, aquilo a que me atreveria mesmo chamar um factor de indispensável cultura para todos aqueles que não gostam ou não querem passar distraídos por este mundo.
Para já, o "ouvinte-opinante" luso tem uma forma única de se manifestar. Qualquer coisa entre o servilismo (bom dia senhor doutor Manuel Acácio), a arrogância (nós exigimos que o governo…), a estupidez (normalmente não fazem a mínima ideia do que se está a tratar), a ilegalidade partilhada (Ó senhor doutor Manuel Acácio, estou em viagem, tá-móvir bem? – enquanto se ouve nitidamente o vrrruumm da viatura na auto-estrada), a “broncocultura” (ainda hoje pelo menos três ouvintes achavam que o governo tinha uma fobia pelo plano tecnológico e, pelo contexto, percebia-se que queriam significar exactamente o contrário, que o governo e Sócrates gostavam muito do plano tecnológico) e, finalmente, o delírio do ridículo e da parolice.
É certo que estas particularidades são enquadradas por um ramalhete de opiniões de gente mais conhecida, de acordo com os temas, o que acrescenta (ou deveria acrescentar) uma certa credibilidade à coisa. Por exemplo, se é economia, fala o Peres Metello, se é comunicação social fala o António José Teixeira, se há dificuldades em arranjar convidados, e independentemente do tema, fala o Francisco Anacleto Louçã, que está sempre à mão e inteiramente disponível.
Ainda hoje se falava no “plano de desburocratização” da Administração Pública. Para além da forma hilariante como todos os ouvintes NÃO conseguiram articular foneticamente o vocábulo, foi absolutamente espantoso verificar a forma como muitos deles (quase todos funcionários públicos) estavam pre-o-cu-pa-dí-ssi-mos com a perda de receitas do Estado, porque se deixava de vender impressos. E eu seja ceguinho, como dizia o Vasco Pulido Valente quando tinha mais graça e era menos pessimista, se não ouvi esta!
E depois há uma coisa extraordinária. É flagrante a forma tutelar como as pessoas ainda funcionam. Seja porque se revêem num regime político que fez escola neste país durante cerca de quarenta anos, seja porque somos mesmo assim, vem-nos das tripas e não há nada a fazer. Desde fechar uma marquise numa varanda ao registo de abertura de um café de bairro. Para isso se fizeram as repartições, os impressos, os selos e um exército de gente atenta a dar vistos, pareceres e cobrar emolumentos. E esta faceta hoje foi patente na forma como os ouvintes se insurgiam contra muitos aspectos do tal plano de desburocratização. E todos acham que as pessoas têm que ser ouvidas e consultadas, o que sugere já alguma promiscuidade entre o tal sentido de tutela que referi há pouco e a prerrogativa que todos hoje nos arrogamos de ser ouvidos, seja no que for.
“Isto” começou com quê? Ah, com o Fórum da TSF. Vão por mim. Oiçam-no pelo menos uma vez. Cereja em cima do bolo, e se aguentarem, é ouvir também uma “Bancada Central”. Nada que um bom duche e uma boa refeição, a posteriore, não mitiguem.
Mais do que ajudar uma velhinha a atravessar uma rua, não deitar beatas para o chão ou andar de autocarro todos os dias, eu acho que ouvir o Fórum TSF no período da manhã é um estimável exercício de cidadania. Eu sei que para ouvir o Fórum TSF não se pode andar de autocarro, é impossível ajudar a tal velhinha e apetece fumar imenso, mas não se pode ter tudo e, a haver opção, optemos então pelo Fórum.
O Fórum é um espelho. E um espelho de primeira água, nada daquela quinquilharia de feira onde a imagem se deforma à vontade do dono. Estamos ali, cidadãos lusos, escarrapachados, cuspidos e escarrados, para usar uma terminologia que fez época ao tempo de algumas telenovelas brasileiras, antes do evento do José Eduardo Moniz e do José Castelo-Branco (olha, Carlota, cá está um hífen…). Ouvir um Fórum da TSF é conhecermo-nos melhor, é sabermos quem somos, é um exercício formidável de ginásio para as meninges, é, enfim, aquilo a que me atreveria mesmo chamar um factor de indispensável cultura para todos aqueles que não gostam ou não querem passar distraídos por este mundo.
Para já, o "ouvinte-opinante" luso tem uma forma única de se manifestar. Qualquer coisa entre o servilismo (bom dia senhor doutor Manuel Acácio), a arrogância (nós exigimos que o governo…), a estupidez (normalmente não fazem a mínima ideia do que se está a tratar), a ilegalidade partilhada (Ó senhor doutor Manuel Acácio, estou em viagem, tá-móvir bem? – enquanto se ouve nitidamente o vrrruumm da viatura na auto-estrada), a “broncocultura” (ainda hoje pelo menos três ouvintes achavam que o governo tinha uma fobia pelo plano tecnológico e, pelo contexto, percebia-se que queriam significar exactamente o contrário, que o governo e Sócrates gostavam muito do plano tecnológico) e, finalmente, o delírio do ridículo e da parolice.
É certo que estas particularidades são enquadradas por um ramalhete de opiniões de gente mais conhecida, de acordo com os temas, o que acrescenta (ou deveria acrescentar) uma certa credibilidade à coisa. Por exemplo, se é economia, fala o Peres Metello, se é comunicação social fala o António José Teixeira, se há dificuldades em arranjar convidados, e independentemente do tema, fala o Francisco Anacleto Louçã, que está sempre à mão e inteiramente disponível.
Ainda hoje se falava no “plano de desburocratização” da Administração Pública. Para além da forma hilariante como todos os ouvintes NÃO conseguiram articular foneticamente o vocábulo, foi absolutamente espantoso verificar a forma como muitos deles (quase todos funcionários públicos) estavam pre-o-cu-pa-dí-ssi-mos com a perda de receitas do Estado, porque se deixava de vender impressos. E eu seja ceguinho, como dizia o Vasco Pulido Valente quando tinha mais graça e era menos pessimista, se não ouvi esta!
E depois há uma coisa extraordinária. É flagrante a forma tutelar como as pessoas ainda funcionam. Seja porque se revêem num regime político que fez escola neste país durante cerca de quarenta anos, seja porque somos mesmo assim, vem-nos das tripas e não há nada a fazer. Desde fechar uma marquise numa varanda ao registo de abertura de um café de bairro. Para isso se fizeram as repartições, os impressos, os selos e um exército de gente atenta a dar vistos, pareceres e cobrar emolumentos. E esta faceta hoje foi patente na forma como os ouvintes se insurgiam contra muitos aspectos do tal plano de desburocratização. E todos acham que as pessoas têm que ser ouvidas e consultadas, o que sugere já alguma promiscuidade entre o tal sentido de tutela que referi há pouco e a prerrogativa que todos hoje nos arrogamos de ser ouvidos, seja no que for.
“Isto” começou com quê? Ah, com o Fórum da TSF. Vão por mim. Oiçam-no pelo menos uma vez. Cereja em cima do bolo, e se aguentarem, é ouvir também uma “Bancada Central”. Nada que um bom duche e uma boa refeição, a posteriore, não mitiguem.
8 Comments:
[como vês, contribuo generosamente para o contador de visitas cá do sítio - ainda há pouco aqui estive, e já cá estou outra vez! Ou estás no duche ou estás a jantar, deixa-te estar, eu cá me oriento] ... Era só para dizer: brilhante!
Não frequento o Espumadamente há tempo suficiente para dizer 'um clássico!', mas ... brilhante!
- Boa noite -
Caro Espumante
Sou seu visitante regular (ainda ontem contribuí com 5 visitas que espero que o contador tenha registado...) e já algumas vezes aqui deixei o meu acordo com os seus textos. Este, de hoje, sobre o Forum TSF e o Bancada Central é delicioso. Apenas com uma observação: a Bancada Central é mais "pura" talvez porque a intervenção desportivo-clubística tem mais história em Portugal do que a intervenção politico-social.Esta está bem espelhada no "Forum" e nalguns opinadores "assinantes" que por lá há.
Um abraço
Sinapse
tens contribuído bastante, sim :)
Um beijinho pela tua gentileza
JPF
Muito obrigado pelas suas palavras.
As suas "cinco" visitas foram, lamentavelmente comidas :), comforme oportunamente indiquei.
Um abraço e mais uma vez obrigado pelas suas palavras.
Caro Espumante:
Se não fosse V., eu não saberia que ainda há esse programa na TSF. Esta incultura... Longe de mim dar-lhe conselhos, mas não posso deixar de lhe dizer que, em boa medida, a minha evidente felicidade actual se deve ao facto de, aqui há uns anos, ter deixado de ouvir/ver/ler coisas dessas.
Um abraço e bom fim de semana!
Muito bom!!!
Mas, realmente, se diminuirmos a burocracia, acabamos com uma tradição tão nossa, tão portuguesa...
Daqui a nada, querem proibir as sardinhas nas festas populares e obrigar os homens a rapar o bigode.
Não pode ser!
:)))))))))))))))
Torquato da Luz
Ainda não cheguei ao seu estádio. Sou inquisitvo, precrutador, sensível e ainda me irrito. Ou, possivelmente, gosto desta intriga política em que vivemos em permanência e sonho, ainda, com uma sociedade de verdadeira cidadania e civismo. Mas se calhar você é que tem razão. E tem a grande vantafgem de ser poeta e passar ao lado das desgraças. Eu nem isso sou... daí que seja pior, que sei eu...
um abraço
:)
Rita Rabiga
Em defesa das sardinhas, sempre. Já quanto aos bigodes...
:))))
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