quarta-feira, novembro 03, 2004

A esquerda inteligente



A esquerda “profunda” está genuinamente zangada com a re-eleição de Bush.Tenho por essa esquerda muito respeito e esta zanga é perfeitamente legítima, já que não é mais do que um exercício livre de opinião perante as suas própria convicções e pela informação que lhe é prestada. Mesmo que a informação esteja inquinada, como é o caso português, mas é a que tem.

Já a esquerda de sofá não está zangada. Exulta com a vitória de Bush que vai alimentar centenas de blogs, de artigos de opinião e expressões trauliteiras e idiotas. E isso, sim, irrita-me. Irrita-me porque não consigo acreditar que este tipo de reacções que se avizinham, ainda que legítimas do ponto de vista de livre expressão de ideias, sejam genuínas. Esta esquerda precisa de conflito para sobreviver, precisa de massa crítica para poder exercer e aplicar a cultura de reviralho de que se não consegue libertar e tem agora campo aberto para continuar a encher páginas de jornais, blogs, assistir a conferências e citar mil livros e jornais que leram e até os de que ouviram falar. Mesmo que digam rematados disparates, como ainda há dias Mário Soares o fez (aquela da igreja metodista estar aliada aos ortodoxos judeus é de cabo de esquadra e só conseguiu fazer esboçar um sorriso complacente a Martins da Cruz e Vasco Rato). Além de que a expressão de protesto faz parte de uma cultura muito própria da esquerda elegante, sobranceira e insuportavelmente idiota, cujo expoente maior situo na incontinência grosseira de Louçã e no cinismo arrogante de Rosas ou Miguel Portas. Apoiados no escarcéu de grupos organizados de reconhecida capacidade histriónica como o Barnabé, por exemplo.

A nossa esquerda vive de episódios que lhe possam alimentar o ego e os desígnios (às vezes, frustrações) e não contribuí com uma sílaba para o desanuviamento internacional e para um fluxo válido de informação junto daqueles que não tiveram o privilégio de acesso a meios de informação sofisticados e a leituras sérias. Foi degradante a expressão de desapontamento de Odete Santos e Helena Drago, depois do julgamento de uma jovem por alegada prática de aborto. A Juíz teve o bom senso de absolver a miúda, o que foi óptimo. Para a ré e para todos. Mas foi mau para a Odete... e para a Drago. Porque perderam uma oportunidade de oiro para mais uma sessão de berraria.

Pois a oportunidade para a berraria aí está. Bush na Casa Branca. E embora seja “none of our business” toda a esquerda se vai empertigar e envergar a vestimenta axiomática para nos explicar que tem tudo a ver conosco. Vão chover artigos de opinião, dichotes de acinte e baba de verrina. Em nome da pretensa superioridade intelectual e cultural dos europeus que observam com desdém e complacência mais de 70.000.000 de bárbaros que acharam que Bush é o homem que deve ocupar a Sala Oval e governar a casa que é deles. Esquecendo-se que faríamos bem melhor que procurássemos vias de entendimento com a administração americana, a que existe, onde o pragmatismo e o realismo ocupassem o lugar que merecem para se atingir resultados justos, humanos, dignos, civilizados, para a tremenda barafunda que reina no Médio Oriente e para a real ameaça de terrorismo que pende sobre todos nós, sem excepção. E, já agora, que salvaguardassem a nossa própria sobrevivência como povos livres e ciosos dos nossos valores de cultura e humanidade.

2 Comments:

At 12:25 da manhã, Blogger Guarda-factos disse...

Completamente de acordo.
E adianto: não sei se votaria Bush se fosse americano.
Como europeu, só realizo uma base de estreito entendimento atlântico.
É que o perigo não mora lá. Está cá, aqui mesmo, na Arábia Saudita, no túrbido Paquistão, no Irão.
Poupem-me! Não é a esquerda fashion que tanto gosta de falar da condição feminina...?
Abraço

 
At 9:27 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Meu caro JoãoG
Se a "condição" fosse masculina a esquerda descobriria outras razões. Mas razões, sempre. Por vezes o conhecimento directo das coisas e um mínimo de sentido de cidadania chegaria para tornar o mundo bem mais fácil. Sem se perder, ou talvez até melhorar, os (as?)graves entorses da democracia e da justiça social. Um abraço para si, também.

 

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