quarta-feira, janeiro 27, 2016

Pudores e fedores



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Eu tive um amigo que era um consagrado entomologista e com o qual eu privava com alguma frequência, porque éramos vizinhos num bairro nobre da cidade de Maputo e porque tinha assuntos correntes a tratar com ele, relativamente a trabalhos de pulverização aérea de culturas algures no norte de Moçambique.

O homem recebia-me afavelmente, mas levei algum tempo a perceber que de cada vez que ele me convidava para entrar em casa dele, a mulher e a filha, uma miúda de cerca de 10 anos, vinham à sala saudar-me reverencialmente, após o que se retiravam para a cozinha, enquanto nós comíamos no sala de jantar.

De outra vez, no Senegal, fui recebido por uma personagem importante de uma instituição governamental de Dakar, convidado para jantar. Recebido com lhaneza, foi-me servida uma dose abundante de refrigerantes, antes do repasto  e em determinada altura, mulher e a filha, esplendorosamente vestidas e maquilhadas, vieram à sala cumprimentar-me com simpatia, após o que se retiraram para a cozinha, onde aguardaram até que eu e o meu anfitrião jantássemos sozinhos.

Estas são práticas estranhas mas que do meu ponto e vista, devo acatar, por mais condenáveis e chocantes que me pareçam. Ao fim e ao cabo estava em pais e casa alheios, nada me aconselhava, humana ou eticamente, exigir a presença da mulher e da filha em comunhão de convívio. E sou capaz de, ainda que com dificuldade, aceitar.

Este tipo de episódios vulgarizou-se à medida que o tempo foi passando e eu percebendo o respeito de usos e costumes em casa de cada um.

O que não entendo e reverbero, com veemência, é que venha um cidadão a minha casa e me obrigue a esconder manifestações artísticas da minha cultura para não «ofender» a criatura. Sobretudo se, entretanto, tive bastas ocasiões para me aperceber da hipocrisia desta rapaziada que se choca em ver uma pilinha (God knows why...) mas que se prestam a práticas condenáveis onde a pilinha tem um papel activo. Lembro-me que numa primeira viagem a Rihad (fui fazer um curso intensivo de controle de musca doméstica L., que naquela cidade eclodem ao mesmo tempo e sobrevoam a cidade em populações de biliões e requerem práticas apropriadas de extermínio) encontrei a cada passo homens de meia-idade com lugares de proa no sistema, correntemente acompanhados de um grupo de garotos de entre 10 a 12 anos. Levei algum tempo a perceber que aqueles grupos de miúdos eram uma espécie de caravana permanente de respeito e submissão, entenda-se miúdos onde os tais senhores introduziam as tais pilinhas que não gostam de ver na Itália ou no Louvre, sempre que lhes apetece ou as hormonas lhes fervem.

Por isso me repugna esta decisão dos italianos. Não é aceitável que se castre (literalmente) estátuas de nus porque suas excelências se ofendem. No fundo, uma manifestação de complexas tempestades psíquicas que lhes varrem o mento de cada vez que têm de mostrar aos ocidentais a sua impoluta formação religiosa. Pelo menos até voltarem a casa e poderem estuprar, a seu bel-prazer, centenas de garotos que crescem a pensar que as coisas são mesmo assim – pelo menos até crescerem e poderem fazer o mesmo aos outros.


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