Pudores e fedores
Eu tive um amigo que era um consagrado entomologista e com
o qual eu privava com alguma frequência, porque éramos vizinhos num bairro
nobre da cidade de Maputo e porque tinha assuntos correntes a tratar com ele,
relativamente a trabalhos de pulverização aérea de culturas algures no norte de
Moçambique.
O homem recebia-me afavelmente, mas levei algum tempo a
perceber que de cada vez que ele me convidava para entrar em casa dele, a
mulher e a filha, uma miúda de cerca de 10 anos, vinham à sala saudar-me
reverencialmente, após o que se retiravam para a cozinha, enquanto nós comíamos
no sala de jantar.
De outra vez, no Senegal, fui recebido por uma personagem importante
de uma instituição governamental de Dakar, convidado para jantar. Recebido com
lhaneza, foi-me servida uma dose abundante de refrigerantes, antes do repasto e em determinada
altura, mulher e a filha, esplendorosamente vestidas e maquilhadas, vieram à sala
cumprimentar-me com simpatia, após o que se retiraram para a cozinha, onde
aguardaram até que eu e o meu anfitrião jantássemos sozinhos.
Estas são práticas estranhas mas que do meu ponto e vista,
devo acatar, por mais condenáveis e chocantes que me pareçam. Ao fim e ao cabo
estava em pais e casa alheios, nada me aconselhava, humana ou eticamente,
exigir a presença da mulher e da filha em comunhão de convívio. E sou capaz de,
ainda que com dificuldade, aceitar.
Este tipo de episódios vulgarizou-se à medida que o tempo
foi passando e eu percebendo o respeito de usos e costumes em casa de cada um.
O que não entendo e reverbero, com veemência, é que venha um cidadão a minha casa e me obrigue a esconder manifestações artísticas da minha cultura para não «ofender» a criatura. Sobretudo se, entretanto, tive bastas
ocasiões para me aperceber da hipocrisia desta rapaziada que se choca em ver uma
pilinha (God knows why...) mas que se prestam a práticas condenáveis onde a
pilinha tem um papel activo. Lembro-me que numa primeira viagem a Rihad (fui fazer
um curso intensivo de controle de musca doméstica L., que naquela cidade eclodem ao mesmo tempo e sobrevoam a cidade em populações de biliões e requerem
práticas apropriadas de extermínio) encontrei a cada passo homens de meia-idade
com lugares de proa no sistema, correntemente acompanhados de um grupo de garotos
de entre 10 a 12 anos. Levei algum tempo a perceber que aqueles grupos de miúdos
eram uma espécie de caravana permanente de respeito e submissão, entenda-se
miúdos onde os tais senhores introduziam as tais pilinhas que não gostam de ver
na Itália ou no Louvre, sempre que lhes apetece ou as hormonas lhes fervem.
Por isso me repugna esta decisão dos italianos. Não é
aceitável que se castre (literalmente) estátuas de nus porque suas excelências se
ofendem. No fundo, uma manifestação de complexas tempestades psíquicas que lhes
varrem o mento de cada vez que têm de mostrar aos ocidentais a sua impoluta
formação religiosa. Pelo menos até voltarem a casa e poderem estuprar, a seu
bel-prazer, centenas de garotos que crescem a pensar que as coisas são mesmo assim
– pelo menos até crescerem e poderem fazer o mesmo aos outros.
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Etiquetas: coisas estranhas
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