Faz anos, pai
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Alô pai. Faz hoje vinte e quatro anos que, mais ou menos por
esta hora, recebi um telefonema, numa vila moçambicana onde me encontrava em
trabalho, a comunicar que nos tinhas deixado.
Foi uma noite longa, eu estava sozinho e, em silêncio, vi toda
a vivência contigo, com uma minuciosa nitidez. Já de madrugada, lembrei-me que o
teu último desejo ficou por cumprir. Fazer por estrada o percurso Joanesburgo -
Cidade do Cabo, já que estava combinado que passássemos lá o Natal. E tive a
sensação penosa de perceber como perdeste a oportunidade de cruzar o Karoo, o
Vale de Ceres, atravessar o último sistema montanhoso das Hawequas, Paarl e,
finalmente, desembocar no panorama ímpar da Table Mountain.
Já passaram 24 anos, pai. Nesta foto, última tirada antes de
partires, estavas já dominado pelas coronárias roídas pelo tabaco que fumaste até
ao último dia, após uma bica na Mexicana e eras tão jovem. E eu não sabia. Só soube, pelo
telefonema a comunicar-me que nos tinhas deixado. E eu não poderia levar-te de carro até Cape
Town.
Ainda cá andamos todos. Menos a mãe, que nos deixou o ano
passado. Bem dizias tu que ela era do tipo de viver até aos cem anos. Estamos bem
e mais quezília menos mania, continuamos a família unida que soubeste construir.
Tenho a certeza que ficarias contente por sabê-lo.
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Etiquetas: intimista
1 Comments:
Como é bonito ver um filho lembrar o Pai com estas palavras.
Um abraço pelo dia.
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