domingo, agosto 12, 2007

Ai, Timor


[1938]


Os portugueses andam baralhados. Há bem pouco tempo andavam com roupa branca desfraldada nas janelas das suas viaturas que conduziam alegremente por Lisboa e outras cidades do país. A rádio, as televisões e jornais comoviam-se com o altruísmo dos portugueses e Sampaio deixava escapar umas lágrimas furtivas pela emoção do momento, enquanto o Luís Represas ia baladando por aí o “Ai Timor”, com as gentes muito compungidas. Xanana e Ramos Horta eram a expressão terrestre da virtude divina e as trompetas dos arcanjos ouviam-se, desta vez sim, com o beneplácito da circunstância, do Minho a Timor.

Pouco tempo depois a bagunça e a luta pelo poder instalam-se na ilha. Aqui em Portugal, a esquerda aproveita a embalagem para acusar as forças imperialistas, como é costume e de bom tom, neste caso a Austrália e os Estados Unidos, de manobras turvas por causa do petróleo. A direita, essa, desinteressou-se e acha e que é tudo farinha do mesmo saco.

No fundo, o que parece ressaltar de tudo isto é que Timor é mais um exemplo vivo da forma criminosa como Portugal lidou com a independência dos seus territórios. Se Salazar comprometeu uma independência pacifica, inevitável e bem vinda, já um grupo de gente sem qualquer experiência de África ou da Ásia que não fosse a obtida nas cartilhas distribuídas em Argel, Brazaville ou Moscovo acabou por ser determinante numa das mais negras e vergonhosa páginas da nossa história. Sem hesitação, nem vergonha.

Se não fosse a tragédia daqueles que, nestas coisas, sempre acabam por morrer, a baralhação em que a inteligentzia portuguesa se encontra acaba até por dar um certo gozo.



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