Chibos
[1850]
Habituei-me a perceber que cada país tem, ou teve, a ditadura que merece. Não é por acaso que nos tempos modernos, as ditaduras se instalaram em países muito específicos, cujos povos têm mais pontos em comum do que aquilo que podem parecer numa primeira análise. Qualquer estudioso distraído “percebe” que terá de haver uma razão para que as ditaduras se confinem a um número restrito de países, para além da mera existência de um ditador. Percebe-se facilmente que as ditaduras têm mais a ver com as ovelhas do que com os pastores, pois só no seio de rebanhos apropriados medram os pastores déspotas.
Esta reflexão surge-me a propósito dos últimos casos noticiados pela comunicação social, em que temos demonstrado o pior que existe em nós, como povo, como gente, como grupo social mais ou menos à deriva num mundo moderno, onde experimentamos sérias dificuldades em nos fixarmos. A anedota de Charrua, a directora demitida em Vieira do Minho e o caso Balbino Caldeira são paradigmas deste tipo de sociedade em que mais do que a intolerância dos que em nós mandam, conta a propensão natural que todos nós temos para “chibar”. Para bufarmos, para denunciar, apenas porque sim. Nem sempre o simples acto de bufarmos nos traz outra vantagem que não seja o de vermos o parceiro do lado encravado, mesmo se vivo, bem enterrado, mas é claro que a génese da denúncia não assenta em imperativos morais, mas mais no tipo de benesses que poderemos vir a colher. Vasco Pulido Valente chamou-lhes “esbirros do regime”, aos que bufam. Eu não sei se Pulido Valente terá razão. É evidente que há esbirros, mas ainda acredito que a maioria dos denunciantes actuam em obediência a imperativos da sua própria formação ética, social e humana. Tenho bem presente, ciosas figuras do período pós independência em Moçambique, por exemplo, que, curiosamente, não eram moçambicanas. Eram tão portuguesas como eu e notabilizaram-se por obterem protagonismo na ditadura cómica e caricata (se não fosse trágica) de Samora Machel, denunciando amigos, familiares e, pasme-se, os próprios pais. Ninguém me contou. Eu vi e ouvi, ao vivo e a cores, situações deste jaez em que um filho denuncia um pai e, horror, ainda acha que está a fazer uma excelente figura em poupar a revolução a perniciosos elementos contra-revolucionários.
Eu não sei se haverá paralelo (é que não faço ideia, mesmo) destas situações noutros países, mas recordo-me bem deste tipo de episódios. Não tão distantes como há cerca de 20 anos atrás. Por cá, sem campos de reeducação para os Charruas e Balbinos nem chibatadas nas costas (não se riam que é verdade, a chibatada era legal e muito comum no princípio dos anos oitenta em Moçambique, era o "chamboco") para os padres que se arvoram em presidentes de Câmara em vez de se fecharem na sacristia ou "médicos comunas" que escrevem comentários jocosos, resta-nos medidas mais ou menos inócuas como o despedimento, levantamento de processos disciplinares ou processos ridículos em tribunal. Mas depois, vendo bem as coisas, qual é a admiração? Com esta faceta simpática do “tuga” chibo e de um governo que incita abertamente à denúncia, nomeadamente ao nível dos serviços oficiais, que poderíamos esperar mais? Estamos naquilo que se chama as nossas "sete quintas"!
Valha-nos o facto da União Europeia nos conter nos nossos desmandos e nos obrigar a uma certa compostura social. Se, mesmo assim, vamos fazendo o que se sabe, imagine-se se continuássemos orgulhosamente sós, como dizia o outro?
Fica um sentimento de desânimo, de cepticismo, em relação a todos nós enquanto povo, deste país enquanto membro de um concerto de nações civilizadas. Talvez porque temos, neste momento, o governo que mais tem posto a descoberto estas facetas “simpáticas” do nosso carácter as coisas pareçam mais desanimadoras. Cada vez há mais casos de denúncia, de recados e maledicência em prole de benesses ou, apenas, porque sim.
Há quem diga que mesmo na Europa há casos graves de discórdias e, até, cenas menos dignas, de pugilato, mesmo em parlamentos. Pergunto-me se alguns casos não poderiam ser litigados com uma digna e saudável troca de murros, em vez desta forma "poucochinha", vil e desprezível que continuamos a manter para resolver os nossos. Ou seja, bichanando ao chefe os pecados dos outros.
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Habituei-me a perceber que cada país tem, ou teve, a ditadura que merece. Não é por acaso que nos tempos modernos, as ditaduras se instalaram em países muito específicos, cujos povos têm mais pontos em comum do que aquilo que podem parecer numa primeira análise. Qualquer estudioso distraído “percebe” que terá de haver uma razão para que as ditaduras se confinem a um número restrito de países, para além da mera existência de um ditador. Percebe-se facilmente que as ditaduras têm mais a ver com as ovelhas do que com os pastores, pois só no seio de rebanhos apropriados medram os pastores déspotas.
Esta reflexão surge-me a propósito dos últimos casos noticiados pela comunicação social, em que temos demonstrado o pior que existe em nós, como povo, como gente, como grupo social mais ou menos à deriva num mundo moderno, onde experimentamos sérias dificuldades em nos fixarmos. A anedota de Charrua, a directora demitida em Vieira do Minho e o caso Balbino Caldeira são paradigmas deste tipo de sociedade em que mais do que a intolerância dos que em nós mandam, conta a propensão natural que todos nós temos para “chibar”. Para bufarmos, para denunciar, apenas porque sim. Nem sempre o simples acto de bufarmos nos traz outra vantagem que não seja o de vermos o parceiro do lado encravado, mesmo se vivo, bem enterrado, mas é claro que a génese da denúncia não assenta em imperativos morais, mas mais no tipo de benesses que poderemos vir a colher. Vasco Pulido Valente chamou-lhes “esbirros do regime”, aos que bufam. Eu não sei se Pulido Valente terá razão. É evidente que há esbirros, mas ainda acredito que a maioria dos denunciantes actuam em obediência a imperativos da sua própria formação ética, social e humana. Tenho bem presente, ciosas figuras do período pós independência em Moçambique, por exemplo, que, curiosamente, não eram moçambicanas. Eram tão portuguesas como eu e notabilizaram-se por obterem protagonismo na ditadura cómica e caricata (se não fosse trágica) de Samora Machel, denunciando amigos, familiares e, pasme-se, os próprios pais. Ninguém me contou. Eu vi e ouvi, ao vivo e a cores, situações deste jaez em que um filho denuncia um pai e, horror, ainda acha que está a fazer uma excelente figura em poupar a revolução a perniciosos elementos contra-revolucionários.
Eu não sei se haverá paralelo (é que não faço ideia, mesmo) destas situações noutros países, mas recordo-me bem deste tipo de episódios. Não tão distantes como há cerca de 20 anos atrás. Por cá, sem campos de reeducação para os Charruas e Balbinos nem chibatadas nas costas (não se riam que é verdade, a chibatada era legal e muito comum no princípio dos anos oitenta em Moçambique, era o "chamboco") para os padres que se arvoram em presidentes de Câmara em vez de se fecharem na sacristia ou "médicos comunas" que escrevem comentários jocosos, resta-nos medidas mais ou menos inócuas como o despedimento, levantamento de processos disciplinares ou processos ridículos em tribunal. Mas depois, vendo bem as coisas, qual é a admiração? Com esta faceta simpática do “tuga” chibo e de um governo que incita abertamente à denúncia, nomeadamente ao nível dos serviços oficiais, que poderíamos esperar mais? Estamos naquilo que se chama as nossas "sete quintas"!
Valha-nos o facto da União Europeia nos conter nos nossos desmandos e nos obrigar a uma certa compostura social. Se, mesmo assim, vamos fazendo o que se sabe, imagine-se se continuássemos orgulhosamente sós, como dizia o outro?
Fica um sentimento de desânimo, de cepticismo, em relação a todos nós enquanto povo, deste país enquanto membro de um concerto de nações civilizadas. Talvez porque temos, neste momento, o governo que mais tem posto a descoberto estas facetas “simpáticas” do nosso carácter as coisas pareçam mais desanimadoras. Cada vez há mais casos de denúncia, de recados e maledicência em prole de benesses ou, apenas, porque sim.
Há quem diga que mesmo na Europa há casos graves de discórdias e, até, cenas menos dignas, de pugilato, mesmo em parlamentos. Pergunto-me se alguns casos não poderiam ser litigados com uma digna e saudável troca de murros, em vez desta forma "poucochinha", vil e desprezível que continuamos a manter para resolver os nossos. Ou seja, bichanando ao chefe os pecados dos outros.
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