Assoar à Gravata
[344] - Hoje almocei no Hotel da Lapa.
Após umas horas sentado numa cadeira podre de incómoda a ouvir dois marroquinos, um americano que vive em Marrocos, uma americana que vive em Portugal, um português que vive em Baltimore e um indiano que acha que o que vai salvar o empresariado português é um recente acordo de comércio livre entre os USA e o Reino de Marrocos, entretive-me a passar os olhos pela assistência. É necessário sublinhar que a assistência a este tipo de funções é quase sempre igual. Muitas mulheres com ar de executivas, alguns executivos com cara e jeitos de mulher e uns quantos assim ao natural, onde modesta e humildemente me incluo, todos muito ocupados e muito preocupados a recusar os auscultadores de tradução instantânea, mesmo antes de saber se os palestrantes falarão em inglês ou em francês. Muitas pastas, muitos dossiês, muito fru-fru de gente inquieta e, sobretudo, muitas mulheres, algumas delas bonitas mas de quem não me apeteceria ser subordinado. Feitios. Meu, claro, que com o feitio delas não tenho nada com isso, embora o feitio das mulheres, na vertente literal da coisa, seja coisa não despicienda e a que, saudavelmente, nunca me consegui furtar. Mas isso é outro assunto, que não vem agora ao caso.
Voltando ao almoço (para alguma coisa tem de servir a quantia obscena que se paga para esta coisa de seminários...) – comi «pedacinhos de cabrito com funcho», batatinhas coradas, arroz de forno e muitas, muitas saladas. Descartei os doces e entreguei-me ao santo sacrifício da café de saco (para que conste, ainda há locais em Lisboa que servem uma zurrapa, mais tipo coffee drink do que café real thing, talvez porque se insista na ideia peregrina de que a plebeia bica não vai bem com a selecta clientela). E aqui, chegamos ao ponto. Como sabia que havia bicas no hotel, perguntei a um empregado assim com tipo de fiscal de licença de isqueiros e que deve ter vinte anos de serviço e que acha que é empregado de mesa porque teve azar na vida e que ele deveria ser era secretário de estado de Turismo, se não seria possível trazerem-me um café de máquina. A resposta chegou curta, incisiva e revestida de uma entoação semelhante a um elemento de claque de futebol quando a equipa perde: - Café de máquina, só lá em cima.
Como ando a fazer um estágio para não me zangar demais com a vida, «fiquei-me». Limitei-me a olhar para o «ex-would be minister of Tourism não fora a puta de vida que lhe foi madrasta e este país que é uma merda e não reconhece os seus próprios talentos» que, entretanto, se afastou para outra mesa qualquer.
Estava eu a remoer a desdita de viver neste país de gente que se assoa à gravata, quando oiço uma voz cantada, timbrada e hospitaleira a dizer: - meu senhô, tem aqui o seu cafezinho.
E o jovem brasileiro, sorrindo e bem disposto, lá seguiu à sua vida, depois de me colocar a tal da bica em cima da mesa.
Por outras palavras. Este nosso país é admirável e tem sítios magníficos como o Hotel da Lapa. Nós é que não o merecemos.
9 Comments:
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Que sacrilégio, servirem zurrapa na capital... E eu sempre a fazer alta publicidade ao nosso café! Mas bom, duvido que os meus amigos vão parar a esse hotel! :)
Tenho tido algumas experiências em cafés/restaurantes que me fazem pensar que temos de aprender algumas coisas com os brasileiros: boa disposição e simplicidade! Um sorriso faz maravilhas! :)
O feitio das mulheres o quê? oh espumante parece-me que tens aí um post mortinho por sair, mas não queres admiti-lo ;) Quanto aos empregados de mesa azedos e pouco solícitos parecem-me uma espécie em extinção, apesar de tudo. As novas gerações têm outra postura, talvez pela concorrência dos simpáticos brasileiros.
Infelizmente começamos a ser conhecidos pela antipatia dos nossos empregados de mesa ou balcão (cambada de trombudos), ao contrário dos brasileiros, que vêem no servir um prazer e não uma humilhação, e que por isso o fazem sempre com um sorriso e grande simpatia.
Sempre que venho aqui aprendo alguma coisa e saio de cá bem disposto :)
Um abraço
lilla mig
Vamos por partes: a nossa bica é boa, tirando a "Delta" porque o Nabeiro acha que todos devemos gostar do lote dele. O que se passa é que subsiste um sentimentozinho assim entre o barroco e o idiota, passando por um "táver" nado e criado aqui pelas areias por onde me movo, que acha que o café de peúga deveria manter o seu lugar de honra nas preferêcias dos connoisseurs... só isso. Isso aliado à trabalheira de estar para ali a tirar bicas.
Quanto à boa disposição dos brasileiros... venham muitos. E muitas, já agora :)))
t-shelf
Concordo que os trombudos esteja, em extinção. Mas enquanto não se extinguem... é um concumo de Kompensan, olha, que remédio!
Já quanto aos feitios, acho que me interpretaste mal. Quando ei disse "feitios", referia-mer ao meu. Não tenho nada contra nem o feitios nem o feitos das mulheres :))))))
E não, não tenho nenhum post brewing, as far as women feitio is concerned :)))
Luna
Nem mais. Porque será que tem de ser assim?
:)
Carlos
Fico satisfeito com as suas palavras e agradeço.
Não é para retribuir, mas já deve ter reparado pelo registo de visitas que não dispenso as suas fotos. Estou "quase" a gostar do Porto :)))
Estou a brincar, claro, tenho a certeza que entende.
Aquelas fotos do sol de fim de tarde, para mim que sou leigo em fotografia, estavam simplesmente soberbas. E gostei muito, também, daquele do "deserto".
Obrigado e apareça sempre.
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