Rotinas
Cezanne (Coisas boas)
Tenho uma mãe lindíssima que nasceu, viveu e morrerá na mais fiel obediência às rotinas. Ela espirra de 9 em 9 dias, trezes espirros intervalados respectivamente de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 segundos. Se espirrar catorze, preocupa-se e acha que deve estar a fazer uma gripe. Se os espirros forem doze, preocupa-se e acha “que as coisas estão a mudar” e está a ficar velhinha (ela já é, mas não convém dizer-lho em voz alta). Come invariavelmente uma peça de fruta depois da refeição, tomada impreterivelmente à mesma hora todos os dias o que é um motivo de potencial mal estar se, em viagem, por exemplo, a rotina for quebrada por um minuto que seja. NUNCA teve azia e, portanto, não conhece a sensação da acidez gástrica. Levanta-se à mesma hora, vê as mesmas novelas e é fiel à rotina de ler todos os dias. Só não lê o mesmo livro, o que já é uma saudável alteração da mesma. Depois do banho matinal, arranja-se meticulosamente, maquilha-se, vá sair a algum lado ou fique em casa.
Anteontem fui almoçar com ela. Fazia 13 anos que a mais forte e intensa rotina que teve foi abruptamente cortada pela morte de meu pai. Resistiu bem e até essa resistência configura a rotina do estoicismo que sempre revelou nos momentos mais difíceis da sua já longa vida.
Não sou muito destas lamechices de falar de assuntos pessoais mas ao vê-la levantar-se após o almoço e ir retocar a pintura porque ia cumprir uma nova rotina dos últimos trezes anos, com determinação e uma expressão feliz, - ir ao cemitério colocar umas flores - achei que tinha uma mãe muito forte, bonita e uma grande exemplo para os quatro filhos que teve. Mas isso achamos todos, não é?
Uma breve nota final para referir que até o meu peculiar desrespeito pelas rotinas é por ela acolhido com um sorriso benevolente e cheio de carinho. A sua rotina, afinal...
2 Comments:
É a sorte das mães...terem alguns filhos assim.
Parabéns pelo sentimento.
Francisca:
Obrigado pelo comentário e pela sua sensibilidade, também. :)
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