sexta-feira, novembro 12, 2004

Diferenças




Arafat morreu (foi morto, diz muita gente, e é bem verdade que a tal autópsia , a ter sido feita, é de resultados desconhecidos) e as repercussões foram de um modo geral ajustadas a um enquadramento político de ocasião. Os palestinianos choraram a sua morte (nem todos...), os israelitas mantiveram um adequado low profile (com excepção daqueles quatro maluquinhos aos pulos e à guitarra que as televisões espanholas mostraram a “representar” o povo israelita) e os dirigentes mundiais proferiram palavras de circunstância, com o recolhimento e sobriedade que a morte exige.

Arafat morreu. Mas será recordado como um violento terrorista que não hesitou em deitar mão dos processos mais infames para continuar a sua – legítima - luta pelos interesses da Palestina, não hesitando mesmo em manipular crianças, treinando-as, mentalizando-as e convencendo-as da sublime missão de se rebentarem com explosivos à cintura em nome da libertação do seu povo e dos desígnios de Alá.

Ao contrário, recordo como Nelson Mandela conseguiu estabelecer pontos de equilíbrio num país profundamente instável após a sua tomada de poder e respectiva renúncia de F. deClerk. Mandela foi preso em 1962, condenado a prisão perpétua e encarcerado sucessivamente em Robben Island, Pollsmore Prison e Paarl até ser libertado em 1990. Encontrou um país fortemente dividido e em cima de um barril de pólvora. Com extrema argúcia, inteligência e sentido de Estado conseguiu conciliar a extrema direita branca com o radicalismo negro. As lutas que teve de travar dentro do ANC e no seio de uma comunidade branca, de profundo arreigamento religioso e notoriamente impreparada para tão radical mudança nas suas vidas foram épicas e a todas elas Nelson Mandela conseguiu acudir com sabedoria, serenidade e muita inteligência. Não beneficiou também de torrentes de dinheiro que financiassem a sua acção nem a sua mulher ficará a receber uma pensão milionária vitalícia. Pelo contrário, Winnie Mandela só lhe deu dores de cabeça e até nesse pormenor ele soube reagir com ponderação e a firmeza que a situação merecia. Muito menos se envolveu em escândalos financeiros.

Mesmo com muitos acidentes de percurso a África do Sul é hoje um país de economia pujante e com um tecido social impensável há dez anos atrás.

E eu não tenho qualquer problema em confessar o meu profundo cepticismo à altura da sua ascensão a presidente e admitir hoje que me enganei, nutrir por Nelson Mandela uma profunda admiração e considerá-lo um dos grandes estadistas do século XX. E reflectir que o seu único ponto de coincidência com Arafat foi o facto de ambos terem ganho o Prémio Nobel da Paz...

4 Comments:

At 7:34 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

O desejo de uma Palestina independente, por parte dos palestinianos, será certamente legítimo.

A "luta" de Arafat por essa independência é que já não me parece que o seja, precisamente porque, como escreve, não hesitou "em deitar mão dos processos mais infames para continuar a sua luta pelos interesses da Palestina" e "mesmo em manipular crianças, treinando-as, mentalizando-as e convencendo-as da sublime missão de se rebentarem com explosivos à cintura em nome da libertação do seu povo e dos desígnios de Alá".

PSA

 
At 7:51 da tarde, Blogger Nelson Reprezas disse...

PSA
A legitimidade da luta pelos direitos do povo palestiniano não tem nada a ver com o facto de Arafat ter sido um assassino brutal e um manipulador e um corrupto. E foram estes factores que me levaram a fazer uma reflexão sobre Nelson Mandela. Parece, assim, que estamos de acordo, ou não?

 
At 8:36 da manhã, Blogger Passada disse...

Arafat e Yitzahak Rabin, ambos receberam o prémio nobel pelos acordos de Oslo 1993, um ano depois Arafat retorna à Faixa de Gaza e em 1995 Rabin é assasinado pela direita Israelita.
Agora Nelson Mandela é outra conversa, na sua totalidade, por todas as razões já apontadas e talvez mais algumas que os EUA e a Europa poderiam aprender com este grande senhor da política. Hoje já não é possível falar de Mandela sem a Graça Machel, mulher que casou dois presidentes de países diferentes.

 
At 10:54 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

mmicr
Falei na Winnie Mandela no contexto do meu post. Graça Machel entra na vida de Mandela numa fase já estável da sua vida e com a missão cumprida... De resto, e tal como disse a PSA (que não sei quem é mas suspeito ser dessas bandas pela diferença horária do comentário), parece estarmos todos de acordo!

 

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