A macro paciência necessária
Diz-se correntemente, “há dias em que não se deve sair de
casa”. Ou porque escorregámos à saída, ou porque fomos à pastelaria da esquina
tomar a bica e o parceiro do lado entornou a bica dele por cima de nós, sem
querer, ou porque o telefone tocou e era um mail da Autoridade Tributária a dizer
blá blá blá blá e no fim do mail aparece uma quantia qualquer que temos de
pagar, ou porque a namorada nos mandou um sms a dizer que queria acabar com tudo
ou, no extremo, somos atropelados. É provavelmente neste momento que, a caminho
dum hospital qualquer, concluímos que há mesmo dias em que não devíamos sair de
casa.
Peço licença para alterar um pouco o fio à meada e dizer: “Há
dias em que DEVEMOS sair de casa”. Um vizinho resolveu fazer uma obra qualquer.
Mas há obras e obras. Se algumas incluem umas marteladas, coisa chata mas
suportável, há outras que não poderiam ser piores. Uma máquina de furar, partir,
brocar, eu sei lá… qualquer coisa com um ruído semelhante ao de uma oficina de bate-chapas
com 20 operários a fresar uma chapa qualquer e com uma real vibração das
paredes, do ar que respiramos e, diria, do próprio cérebro. Nada há que fique
por vibrar São minutos consecutivos de vibração cerebral, ressonância dos
tímpanos, abalos verdadeiramente telúricos do “labirinto” e até a derme se eriça,
pelos erectos, com intervalos tortuosos de dez a quinze segundos, durante os
quais nos imobilizamos até o terramoto começar de novo.
Ao mesmo tempo, rigorosamente ao mesmo tempo, tenho dois
homens no jardim público a cinco metros das janelas do meu escritório… podando
umas árvores de ramos lindos e, antes que desatem a fazer folhas, cortam-lhe os
ramos considerados supérfluos para que os principais dêem muitas folhas e
fortes. São serras eléctricas, admito que a
estridência e os decibéis não atinjam o grau do perfurador de qualquer coisa
que o vizinho resolveu usar… mas não deixa de ser uma serra eléctrica numa
autêntica mutilação. Como o jardim é bonito, há muitas árvores e como as
árvores têm muitos ramos… penso que isto é marmelada para o dia todo. E se eu
já tinha os pelos erectos com o perfurador, espero que, com tanta marmelada,
nada siga o exemplo dos pelos e eu possa sair do duche em “mode” decente.
Não acaba aqui. A televisão está, como habitualmente, ligada
e eu já ouvi o Centeno ler (mal e imensas vezes) a expressão macro prudencial e
micro prudencial. Não deve ter sido ele a escrever o discurso porque ele se
engasga de cada vez que tem que ler a expressão. Digamos que é uma macro
tragédia ouvir aquele homem a pronunciar micro prudencial. Quase tão mal como o
inenarrável Costa a dizer conxucional.
Assim sendo (e o Centeno acabou comigo, arrasou a minha
micro paciência) vou para o duche. Vou parar de trabalhar, vou para a rua ouvir
os melódicos ruídos do trânsito a passar, ou mesmo um avião a sobrevoar Cascais, ou o mavioso
bruáá do pessoal a tomar um café na Sacolinha. Tudo é melhor que esta tortura
por que estou a passar desde as 8:45 desta manhã.
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Etiquetas: o barulho como causa próxima da demência
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