terça-feira, janeiro 16, 2007

Produtividade


[1481]

Uma das coisas que me acontecem (os locutores de rádio, apresentadores de tv e jornalistas em geral e de jornais de referência em particular dizem que me acontece, mas eu digo que me acontecem, feitios) quase diariamente é partilhar a mesa onde almoço com os mais variados filhos das mais diversas mães. Isto porque os restaurantes são exíguos e há que aproveitar o espaço, um pouco assim à moda dos parques de estacionamento. Se eu referir que há um pequeno restaurante perto do meu trabalho onde numa das mesas temos de nos levantar de cada vez que um mastigante se tem de deslocar aos lavabos, para lhe dar espaço de entrada na porta de vai-vem poder-se-á pensar que estou a exagerar. Não estou.

Voltando à coisa das coisas que me acontecem, recorde-se partilhar mesas e rub elbows com o parceiro do lado, é natural, portanto, que oiçamos tintim por tintim a conversa do lado. Nada disto seria, ainda assim, muito grave, se os portugueses falassem ao telefone como as pessoas, dissessem o que têm a dizer e desligassem. Já não digo como os americanos, nos filmes, que acabam uma frase e desligam sem uma derradeira saudação de despedida que seja. Mas, não. Ontem, por exemplo, ao meu lado registou-se um diálogo que mais vírgula menos ponto de exclamação foi assim (repare-se como estou a evoluir da expressão "é assim" para o pretérito, o que é um inegável sinal de evolução), após um daqueles toques polifónicos, tipo diz-me como toca o teu telemóvel e dir-te-ei quem és:

- Está (voz melíflua)...
- ... ...
- Oi companheiro, tudo bem? Eh eh (não sei porquê, mas há sempre tendência para um eh eh eh seja qual for o tema, desde o anúncio de que nos saiu o Euromilhoes até à morte do avôzinho)
- ... ...
- Tudo bem comigo também eh eh eh. Andava para te telefonar... pois... mas... eh eh eh eh... ó companheiro... ... eh eh ehé assim...
- ... ...
- Claro, companheiro, eh eh eh, sim mas tive de levar a minha esposa ao médico sabes... eh eh eh... sim...
- ... ...
- Pois, quer dizer... é assim... já tenho o carro, mas levei-o ao agente porque tem um barulho na porta, eu... não, gasol, claro… gasol...
- ... ...
- Pois, era para entregar o da minha esposa mas que se lixe, pá ela também merece, não é, embora que lhe dei um plasma no Natal... um plasma, pá, tas a ver... claro…eh eh eh
- ... ...
- E contigo, companheiro? Eh eh eh... pois... han?... claro...
- ... ...
É assim, sabes como é... claro... não, já disse á minha esposa...pois... eh eh eh... (aqui cai um pingo de gordura na gravata e o nosso homem pede ao empregado: - Ó companheiro, tem tira-nódoas?)... tá bem...
- ... ...
- Não, companheiro, foi a gravata... é assim...
- ... ...
Não, cozido, tou a comer cozido, estes tipos aqui têm cozido à sexta… han?
- ... ...
- Não sei... é assim... eu acho que também têm bacalhau mas agora também dão cozido…eh eh eh
- ... ...
- Este fim de semana, não sei, companheiro, ando muito, muiiiiiiito ocupado… eh eh eh sabes como é... cheio de trabalho (expressão séria)
- ... ...
- Pois não seié assim
- ... ...
- Ah, pois é, os gajos esquecem-se é que... eh eh ehah pois ééééé
- ... ...
- Claro, mas diz então…
- ... ...
- Ah isso... é assim... eu ando muito ocupado, sabes como é... eh eh eh, mas para ti tenho sempre tempo, tinha prometido á minha esposa sair mais cedo, mas o que tem de ser tem de ser... eu acho que a embalagem das trezentas gramas é o mais indicado eh eh eh ...
- ... ...
- Ok, então… váááá… pois… eh eh eh eh
- ... ...
- Sim, claro eh eh eh eh, obrigado por teres telefonado…
- ... ...
- Claro... é assim... ah pois éééé... ok, ando ocupado, mas... ah pois ééééé…
- ... ...
- Tuuuuudo bem... vááá... sim... ó companheiro, claro… eh eh eh
- ... ...
-
Eh eh eh
- ... ...
- Sim, eh eh eh eh
- Claaaaaro, váááá... pois... então váááááá...
- ... ...
- Então vá...
- ... ...
- Claro
- ... ...
- Pois, então vá, companheiro...

A conversa acabou decorridos um bitoque mai-las respectivas batatas, ovo, bebida e um queijinho saloio, tudo inteiro no meu prato ao início da conversa do meu companheiro acidental e mais um número incontável de "companheiro", "é assim" e "então vá". Fiquei a pensar em estabelecer o perfil do português médio que fala ao telefone no restaurante. Fico com a impressão que é todo o dia assim, mas não estou lá para ver. Desconfio que este estereótipo nacional vai ao fim de semana ao futebol e tira um monte de fotografias à multidão com o telemóvel. Segunda-feira reiniciará estas importantes e produtivas conversas e, entretanto, o fim do mês há-de chegar. Ah, pois éééé...

8 Comments:

At 12:48 da tarde, Blogger Sinapse disse...

ahahahahaahahahahahaahahh, Espumante, obrigada por reproduzires essa conversa tim-tim-por-tim-tim! ... o que já me ri (ahahahahahahaahahah, e não eheheheheheheeheheheh)!


Beijinhos,
então vá, beijinhos,
Sinapse

 
At 3:21 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Adorei a da esposa e do gasol :D
IL

 
At 9:16 da manhã, Blogger Alex disse...

lol

Eu sei de onde veio este comportamento. A culpa foi do primeiro anúncio publicitário ao telemóvel no nosso país

"ADIVINHA ONDE ESTOU? NO MEIO DO RIO TEJO!"

:p

 
At 10:23 da manhã, Blogger Guarda-factos disse...

O que se tornou uma verdadeira instituição nacional ao telefone foi o 'vá, então vá...' Já o 'eh eh eh' passa bem e não belisca por aí além a tal da produtividade nacional. E sobre a dita, já reparou que ninguém sabe muito bem ao certo que bicha é essa...? Repare. :)

Abraço

 
At 10:31 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

sinapse
Are you already ina New York state of mind???
Beijinhos já com saudades

 
At 10:32 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

IL
É por isso que não me caso e só uso carros a gasolina...
:))))

 
At 10:33 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

bratt jones
Pode ser, com toda a certeza

 
At 10:34 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

joão
O seu "repare!" no fim do comentário foi muito subtil. Como é que me passou uma expressão dessas? :))
Abraço

 

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