segunda-feira, outubro 17, 2011

Indignidades




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Faz lembrar uma barragem de artilharia. Parece um caça em «rase motte» despejando napalm num campo de arroz. A comunicação social não faz uma pausa na dose maciça de indignados que, já agora, me indigna ao ponto de eu começar a sentir uma pulsão quase irreprimível de começar a ser malcriado.

Os indignados (de fácies, roupa e tagarelice idiota fazendo lembrar um projecto divino onde Deus se entregou a um exercício de pura diversão) marulharam pela Europa, debotando um rosário de inanidades. Umas que eles devem ter tomado tipo um colher de sopa três vezes ao dia depois das refeições, outras porque nasceram assim mesmo e um dia acordaram indignadíssimos, mesmo não percebendo bem porquê ou sobre o quê. Em Lisboa, por exemplo, pelo menos cem exemplares (perfazendo uns estonteantes 0,001% da população portuguesa ou, para tornar a coisa mais compreensível, 0,17% da capacidade do Estádio da Luz)) foram indignar-se imenso ali para os lados da Assembleia da República e os nossos repórteres soltavam a sua excitação fazendo perguntas mirabolantes para as quais conseguiam mirabolantes respostas. Ocorre-me um indignado de cabelo já grisalho explicando ao repórter que, deixa cá ver se transmito a ideia da coisa, que temos de explicar aqui a este senhores, aqui e no palácio da presidência que estamos fartos destes senhores. Que a culpa é destes senhores que provocaram a crise e que estamos fartos deste senhores, deste sistema e do capitalismo. Juro. O homem está indignado com o capitalismo e lá foi ele e mais 99 explicar isso aos repórteres, cujo tom de reportagem parecia algo indignado também.

Esta gente não parece ter a mais remota noção do que está ali a fazer. Papagueiam meia dúzia de lugares comuns em uso na paróquia e aproveitam a boleia desta espécie de estado de alma com que nos martelam a todo o instante nas rádios, jornais e televisões, segundo o qual nos sentimos vendidos ao capital, torturados, estuprados pelos poderosos, os ricos, os bancos (alguém deveria explicar a estes patetas que os bancos estão tesos por terem andado anos a emprestar dinheiro ao Estado por força da irresponsabilidade patológica de um provinciano espertóide que começou a desenhar umas marquises na Guarda e chegou a primeiro ministro e se tornou, António Barreto dixit, na nossa peste negra). Alguém devia explicar a estes indignados que o Estado precisou de pedir dinheiro emprestado aos bancos para lhes poder pagar, a eles próprios, aquilo que o socialismo faz de melhor - Estado social, mas… lá está, com o dinheiro dos outros.

Agora, o dinheiro acabou. Não sei bem o que vai sair daqui. Não sei sequer se iremos a tempo de remendar o rasgão. Dizem os técnicos que a austeridade traz mais recessão, diz-nos a razão que enquanto não pagarmos o que devemos não poderemos avançar com qualquer tipo de estratégia de desenvolvimento (aqui temos de descontar os eternos sonhadores do paradigma keynesiano qua acham que isto vai é com muitos TGV ‘s, aeroportos e uns quantos espertóides recém-saídos da adolescência a quem se lhes paga dois milhões de Euros anuais para irem fazendo uma florestrias a favor do sistema, com uns robalos pelo meio, umas licenciaturas amigáveis ou um rosário longo de negócios embaciados e devidamente cobertos pelo beneplácito de uma justiça, ela própria baça e com a boca a cheirar a peixe. Mas sei que já não dava para continuar o corridinho.

Indignem-se por aí, mas ergam os olhos ao céu e agradeçam a Deus viverem num regime que, pelo menos, lhes permite indignarem-se imenso e lhes garante a remissão dos próprios pecados, em função da actual corrente de autodestruição em que os nós, os europeus, parecemos apostados.
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