África terra bruta, que até à papaia lhe chamam de fruta…
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Esta foto da Ana David fez-me recordar a imagem frequente que se me deparava na época das chuvas em Maputo. Aquelas descargas violentas que nos faziam pensar numa briga dos deuses que, no fervor da refrega, entornavam tudo à sua volta. Por vezes provocando até grande ruído que chegava até nós nos formidáveis estrondos das formidáveis trovoadas da costa do Índico.
A foto mostra um declive que existe entre o topo sul da Julyus Nyerere ali ao pé do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Marginal, no troço que liga o Clube Naval à escola da Marinha. E eu lembro-me bem quando lá passava em dias de chuvada, como abrandava fascinado pela força da torrente e pensava como tudo era superlativo nesta cidade onde, como em nenhum outro local, assisti a desmandos da natureza que nem sabia serem possíveis. Desde a chuva de peixe elevado às alturas por uma tromba de água a cerca de vinte milhas da costa e que fez as ruas da Polana parecerem um mercado de peixe miúdo, até à saraivada de um mês de Novembro, quando pedras de gelo do tamanho de laranjas da Baía estilhaçaram vidros de casas e de carros, esgalharam acácias e jacarandás, até à depressão tropical «Domoína» que arrancou árvores e matou dezenas de pessoas nos leitos imersos dos rios Maputo, Umbelúzi e Tembe, arrastando-as para a baía, juntamente com gado graúdo, criação, animais selvagens e enormes garoupas gigantes que não resistiram à turbidez dos estuários, e passando mesmo por uma trovoada medonha que apanhei numa descolagem no aeroporto de Mavalane, em que o avião sacolejou exactamente como esvoaçaria uma folha de papel e me fez pensar e dizer mil vezes para mim próprio que o pessoal da Tap devia saber o que estava a fazer, mas…
Havia ainda as “suladas”. Aquelas violentas ventanias que resultavam de dois dias de vento norte, quente e forte, que iam acumulando cúmulo nimbos ali pelas coordenadas da Ponta do Ouro e que, de repente, invertiam o sentido do vento com rajadas que ultrapassavam os cinquenta nós e embranqueciam o Índico de espuma irada e revolta. Várias foram as ocasiões em que fui apanhado pelo fenómeno, frequentemente ele acontecia, por vezes, em pouco mais de 30 minutos, tempo demasiado curto para se concluir a ligação de barco entre a Inhaca e Maputo. Uma vez apanhados pela “sulada”, a solução era manter o barco aproado aos 270º e em velocidade lenta até suspirarmos de alívio quando vislumbrávamos, enfim, a silhueta da cidade e a muralha do clube naval, sem deixar alguma vez de manter o contacto pela rádio com o saudoso Covinhas que, se nesta altura me estiver a ler lá dos céus onde agora reside, se deve lembrar das vezes que me dizia «alô Fame, alô Fame, não demore que o barómetro baixou»!
Isto vem a propósito de quê? Pois, que me ocorra, a propósito da foto da Ana. Como me lembro bem desta obra de retenção de águas! Como me lembro bem de Maputo como cidade que tanto tinha de excepcional beleza como, pacientemente e com desvelo, dava colo aos excessos da sempre excessiva natureza onde se gerou.
Esta foto da Ana David fez-me recordar a imagem frequente que se me deparava na época das chuvas em Maputo. Aquelas descargas violentas que nos faziam pensar numa briga dos deuses que, no fervor da refrega, entornavam tudo à sua volta. Por vezes provocando até grande ruído que chegava até nós nos formidáveis estrondos das formidáveis trovoadas da costa do Índico.
A foto mostra um declive que existe entre o topo sul da Julyus Nyerere ali ao pé do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Marginal, no troço que liga o Clube Naval à escola da Marinha. E eu lembro-me bem quando lá passava em dias de chuvada, como abrandava fascinado pela força da torrente e pensava como tudo era superlativo nesta cidade onde, como em nenhum outro local, assisti a desmandos da natureza que nem sabia serem possíveis. Desde a chuva de peixe elevado às alturas por uma tromba de água a cerca de vinte milhas da costa e que fez as ruas da Polana parecerem um mercado de peixe miúdo, até à saraivada de um mês de Novembro, quando pedras de gelo do tamanho de laranjas da Baía estilhaçaram vidros de casas e de carros, esgalharam acácias e jacarandás, até à depressão tropical «Domoína» que arrancou árvores e matou dezenas de pessoas nos leitos imersos dos rios Maputo, Umbelúzi e Tembe, arrastando-as para a baía, juntamente com gado graúdo, criação, animais selvagens e enormes garoupas gigantes que não resistiram à turbidez dos estuários, e passando mesmo por uma trovoada medonha que apanhei numa descolagem no aeroporto de Mavalane, em que o avião sacolejou exactamente como esvoaçaria uma folha de papel e me fez pensar e dizer mil vezes para mim próprio que o pessoal da Tap devia saber o que estava a fazer, mas…
Havia ainda as “suladas”. Aquelas violentas ventanias que resultavam de dois dias de vento norte, quente e forte, que iam acumulando cúmulo nimbos ali pelas coordenadas da Ponta do Ouro e que, de repente, invertiam o sentido do vento com rajadas que ultrapassavam os cinquenta nós e embranqueciam o Índico de espuma irada e revolta. Várias foram as ocasiões em que fui apanhado pelo fenómeno, frequentemente ele acontecia, por vezes, em pouco mais de 30 minutos, tempo demasiado curto para se concluir a ligação de barco entre a Inhaca e Maputo. Uma vez apanhados pela “sulada”, a solução era manter o barco aproado aos 270º e em velocidade lenta até suspirarmos de alívio quando vislumbrávamos, enfim, a silhueta da cidade e a muralha do clube naval, sem deixar alguma vez de manter o contacto pela rádio com o saudoso Covinhas que, se nesta altura me estiver a ler lá dos céus onde agora reside, se deve lembrar das vezes que me dizia «alô Fame, alô Fame, não demore que o barómetro baixou»!
Isto vem a propósito de quê? Pois, que me ocorra, a propósito da foto da Ana. Como me lembro bem desta obra de retenção de águas! Como me lembro bem de Maputo como cidade que tanto tinha de excepcional beleza como, pacientemente e com desvelo, dava colo aos excessos da sempre excessiva natureza onde se gerou.
Fotos surripiadas do Digital no Índico
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Etiquetas: África terra bruta que até à papaia lhe chamam de fruta, Maputo
19 Comments:
Faz-me mal ouvir falar de Maputo
Só me lembro das trovoadas:
QUE MEDO!!!
Tive o privilégio de ter vivido em muitos lugares deste mundo, desde um apartamento ao pé da foz do Rio Amazonas até uma casa construída sobre os rápidos do Rio Congo. Apesar daquelas enriquecedoras experiências nada, mas nada até hoje, supera uma bela trovoada sobre o Indico vista do 14º andar das Torres Vermelhas. Qual Piracema qual carapuça!
Quanta doce saudade, Espumante!! Não quer vir matá-la no Brasil? Pode não ser tão bonito...mas...:))
APV
Espero que seja por boas razões :))
Papoila
As trovoadas amedrontavam sim, mas eram extraordinariamente belas. Sobretudo aquelas em que os relâmpagos se sucediam ininterruptamente por vários minutos, de tal forma que iluminavam a noite continuamente, não sei se tens ideia desse fenómeno...
Muxanga
Piracema não conheço. Algum menu recente do McDonald's??? :)))
Quanto às trovoadas de Maputo, comcordo contigo. Só tenho dúvida quanto ao andar das Torres Vermelhas. Eu um dia vi de um 13º andar e também gostei.... E ouvi dizer que do 15º a vista era ainda mais abrangente... Agora, do 14º, não digo nada porque nunca vi. E tu sabes que eu nestas coisas, a miha política é o trabalho e eu não gosto de levantar falsos.
Um grande abraço, eu sei que nós vivemos distanciados um bom quilómetro um do outro, para não falarmos dos 600 metros da tua mãe e não há transportes públicos em Cascais, mas vais ver que a gente ainda um dia destes se vê...
:)))
Grande abraço
Dulce Braga
É doce, sim, Dulce.
Quanto a ir ao Brasil matar saudade, vou "marcar na minha agenda" uma horinha para meditar no assunto. Esta semana estou um pouco "apertado" mas acho que vou arranjar um tempinho. Depois mando o resultado, tá? :)))))
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Quando chove com esta intensidade e coincide com a maré cheia a baixa tica totalmente inundada.
...um texto que ilustra bem o “quadro das chuvas” em Maputo. Obrigada Nelson pelas visitas ao DigitalnoIndico.
Um abraço, Ana
Lembrando as trovoadas....sim, eram uma mistura de medo com atracção fatal!!! Lindas de ver, mas no meu caso sempre com o medinho a espreitar!!!
Vera V.
este Vera V. quase me impele a perguntar se o V. é de Viegas, mas vou-me conyer :))
É verdade o que diz. Se a chuvada coincidia com a maré cheia a situação agravava-se.
Ana
Não tem que agradecer. É sempre com prazer e saudade, muita saudade, que o faço. Um beijinho e tudo de bom para aí.:)
A mais "bonita" tempestade que vi, foi em Africa 1966, ainda em Lourenço Marques. Cidade, das mais bonitas que conheço.
zeparafuso
De 1966 para cá a coisa manteve-se :)
Talvez o Muxanga estivesse querendo se referir à Pororoca, palavra de origem indígena (tupi) que significa estrondo (forte barulho da natureza). A pororoca é um fenômeno natural que ocorre quando há o encontro entre as águas de um grande rio com as águas do oceano.
No Brasil, a pororoca mais importante ocorre na Amazônia, quando as águas do rio Amazonas encontram-se com as águas do Oceano Atlântico na foz deste rio. Ocorre um forte barulho e a força do fenômeno provoca a derrubada de árvores e alterações nas margens do rio. Durante o fenômeno, forma-se ondas que podem atingir até 3 metros de altura e velocidade de até 20 km/h.
Já a Piracema, palavra também de origem tupi que significa "subida de peixe" é o período entre outubro e março, quando os peixes sobem até as cabeceiras dos rios, nadando contra a correnteza para realizar a desova e a reprodução.
Espumante
E o "Mc Fish" nem pode ser feito com peixe da Piracema, pq nesse periodo é proibida a pesca!:))***
Dulce Braga
"Isto" é a vingança da infrutescência???? ;)))
Fica aqui a penhora do reconhecimento pelo enciclopédico contributo :)
Sério, um beijinho pela achega.Parecido com "pororoca" (que eu julgava que era uma cobra!!!!!) existe ainda a "vossoroca. Aposto singelo contra dobrado que vossoroca não sabes o que é. Não vale ir ao Google :))
***
Sem Google? huummmm...Ok vou ser honesta e jogar limpo...não sei, mas quero saber!:))***
Dulce Braga
Missão comprida... I mean... cumprida. Em forma de post e tudo :
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