segunda-feira, fevereiro 04, 2008

O pai natal segundo Fernanda Câncio


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De leitura obrigatória este “Pai Natal” do João Gonçalves, “coadjuvado” pela Fernanda Câncio, que passo a transcrever na íntegra:


Quando vi quem era o novo ministro da Cultura - o advogado Pinto Ribeiro - disse a alguém que se tratava de uma espécie de Fernanda Câncio de fato e gravata. "Esquerda caviar", bem ataviado, bom aspecto, boas "causas", com um pezinho bem calçado fora do "sistema" e o resto do corpo bem por dentro, enfim, um pseudo "outsider" que fica sempre bem num regimento partidário de óbvia extracção. Também apoiou Mário Soares na sua recandidatura minimalista e esteve bem à vista, do lado dos "bons", no referendo sobre o aborto. Eis que é justamente Câncio, melhor do que qualquer escriba da secretaria-geral do ministério de Ribeiro, quem produziu o currículo adequado a figurar no “sítio” do MC. Nem Carrilho, quando começou, teve tão boa propaganda. Que nos diz Câncio do seu admirado Ribeiro? «Parece ter no máximo 40 e tal anos. "Uma cara de miúdo", como diz o amigo e sócio nas Produções Fictícias Nuno Artur Silva», ou então, nas palavras de Luísa Schmidt - «socióloga e companheira de luta pelos direitos cívicos», como se estivéssemos a falar de um herói do Tarrafal ou da II guerra mundial - uma criatura com uma «extraordinária energia». Este magnífico homem, para além destes primeiros predicados, ainda pode ser comparado, segundo Nuno, aos U2 porque «faz muita advocacia pro bono». A "colega" piadista Ferreira Alves, não estivesse tão ocupada com o dr. Soares, certamente não diria melhor. Mas há mais. Ribeiro, para descanso do país e das gentes da cultura, é «genuinamente de esquerda» apesar das medonhas origens sociais que não recomendavam o qualificativo e da «advocacia de negócios" (como ele próprio diz), com inúmeros bancos e grandes empresas a fazer o grosso da clientela.» Indomável, Pinto Ribeiro «ia sistematicamente passar férias no estrangeiro, vivia e convivia com outros mundos». É, diz-nos Câncio, em 1978 que este extraordinário cidadão começa a fermentar «a espessura crítica do seu olhar sobre o sistema jurídico português » e a descobrir «a injustiça da justiça portuguesa, portanto.» Nasce, dez anos depois de bem fermentada a ideia, o "Fórum Justiça e Liberdades" que o tornará ainda mais famoso e vaidoso, se bem que Câncio ache que o dito "Fórum" foi «uma referência, durante os anos 90, em termos da defesa e construção de um verdadeiro Estado de Direito», presumivelmente contra Cavaco e contra Guterres. E, para acentuar a "independência" do novo ministro, o panegírico da jornalista recorre a um exemplo mais recente: «Pinto Ribeiro criticou, em Outubro de 2006, o Governo - mais concretamente o então ministro da Administração Interna António Costa -, a propósito da violência policial, por "não impor uma hierarquia de valores adequada às polícias.» Quanto à parte "cultural" propriamente dita do ministro, ficamos a saber que é «um «apaixonado da literatura que adora Ingmar Bergman e "as coisas de humor" (Nuno Artur Silva dixit), advogado de artistas mil (incluindo os Gato Fedorento), bem entrosado no meio das artes plásticas e membro da administração da Colecção Berardo.» Em suma, «era mesmo o Pinto Ribeiro certo.» Tão certo que a socióloga Schmidt já antevê «a inauguração de um novo estilo no Conselho de Ministros», fora o «mecenato cultural» que ele vai «activar graças ao seu espírito empresarial e aos contactos com o mundo da finança.» Finalmente, e num solene momento de introspecção, o nosso homem define-se como sendo «muito convincente» e «correr o risco da demagogia a todo o momento», assegurando nunca ter feito compromissos, «o que é uma coisa muito desagradável para os outros.» E termina com estrépito: «É muito fácil ser-se seduzido, entrar numa teia de relações toda feita de promessas e compromissos. É por isso que é complicado ser-se crítico nisto: só se pode ser isto a sério.» Isto não é o retrato de um ministro da Cultura. Isto é o retrato do pai natal.

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