domingo, outubro 01, 2006

On ferme


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O Expresso de ontem fez-me sorrir. Lá se falava da Beira e do Grande Hotel, de Luanda e de Pointe Noire. Gonçalo Cadilhe anda por lá à espera de meios de continuar a sua viagem África acima e acabou por ir de barco para Pointe Noire. Ocorreu-me, assim, uma viagem que lá fiz acompanhado do meu chefe na altura. Uma viagem em regime exploratório, que tinha a ver com a actividade da empresa onde trabalhávamos em Angola.

E é assim que chegamos a Ponta Negra e nos dirigimos ao hotel onde previamente fizéramos a reserva. O hotel, com instalações opulentas, palmeiras e holofotes no jardim fez-nos pensar que estávamos perante uma boa unidade hoteleira. Chegados à recepção, com muitos veludos vermelhos e latões e vidraria de lustres a relembrar um pouco aquelas séries de Napoleão e Maria Antonieta que a BBC faz muito bem quando lhes falta assunto, dirigimo-nos ao recepcionista, impecável na sua jaqueta vermelha, camisa branca, laço preto e galões dourados. Já ao balcão reparámos que o recepcionista se vestia imperialmente no hemisfério norte mas no hemisfério sul, ou seja da cintura para baixo, apenas usava uns calções de caqui puídos. Literalmente. Descalço e sorridente, avisou-nos, sorrindo, que a nossa reserva não constava dos registos dele mas que poderia fazer “qualquer coisa”, mediante um pagamento extra, que fomos aconselhados a fazer por um passante francês. Pagámos o extra e seguimos para os quartos e separo-me do chefe com um “até já, é só um duche e podemos ir jantar a um restaurante agradável”. Entro no quarto e… surpresa. Choque. Uma matrona que devia pesar só do lado esquerdo mais do que eu pesava de corpo inteiro, sentava-se na cama, pernas numa tentativa esforçada de se traçarem, o que obviamente era impossível, dada a mole imensa de tecido adiposo que lhe enformava as coxas que, por sua vez, apoiavam uma imensa bunda, tudo aquilo muito espartilhado num vestido verde fluorescente com uma barrinha de renda branca – vestido que se esforçava heroicamente por não rebentar por força da contenção de arroubas de carne que começavam nos joelhos e acabavam ali pelos ombros, passando por cima de uma formidável montanha a que, em condições normais, se chamaria maminhas (o que seria ridículo), mamas (se quisermos ser mais fiéis ao quadro mas já a raiar a grosseria) ou “um projecto ideal para a instalação de um sistema automático de ordenha mecânica”, se nos ativermos ao volume da “coisa”. Encabeçava o conjunto uma cara muito negra, mostrando uns dentes muito brancos, rodeados por uns lábios absolutamente enormes e muito, mas muito vermelhos, umas pestanas postiças que pareciam as persianas de uma casa de campo no alçado virado ao sol e uma peruca de cabelo negro, muito liso e comprido até aos ombros.

- Bom jour, mon amour, je te souhaite le bienvenu a Pointe Noire et on y va manger quelque chose, ça te plait?

Estava eu a pensar em regime acelerado sobre o que fazer, como e quando e toca o telefone.

- Está… Espumante?
- Sim doutor, diga…
- Está sozinho?...
- Não…
- Eu também não…
- Pois...
- Pois...
- O que é que vai fazer?
- Vou dizer que estou muito cansado e com uma grande dor de cabeça…
- Foi o que já disse, mas ela diz que não faz mal, que de qualquer maneira temos que as levar a jantar e que depois se vão embora…
- Pois, mas….
- Olhe, não há outra saída. Diga o mesmo à sua e vamos jantar. Traga aspirinas para irmos tomando algumas e depois virmos embora, ok?

E lá fomos. Descemos as escadas até ao r/c com alacridade, com aquilo que parecia dois troféus de caça à baleia nos mares dos Açores, tudo no meio de risadas e votos de boas vindas a Pointe Noire.

O jantar correu bem. As moças eram simpáticas e não insistiram muito. Beberam champagne, comeram alarvemente e riram-se muito. Eu e o meu chefe acabámos a rir também e as dores de cabeça foram-se diluindo e fomos ficando. Até o dono do restaurante aparecer à porta do restaurante e berrar : - “On ferme”.

Despedimo-nos amigavelmente e lá fomos dormir, sem despojos e mais leves de uns quantos francos que, naturalmente, tiveram de ser levados a despesas de representação.

4 Comments:

At 9:10 da manhã, Blogger 125_azul disse...

Oh, coitados! As coisas que acontecem a dois homens sérios! cruzes!
Beijinhos

 
At 11:13 da manhã, Blogger Sinapse disse...

Espumante, Espumante, o que já me ri com esta história!
... quem mais se lembraria de uma frase destas?!? umas pestanas postiças que pareciam as persianas de uma casa de campo no alçado virado ao sol!?!!

:))

Beijinhos, devidamente acompanhados de gargalhada,
Sinapse

 
At 1:26 da tarde, Blogger Nelson Reprezas disse...

125_azul

É para que saibas ao que um homem sério está sujeito. E vá lá, ela não se esquecer do telemóvel e charmar-se Lili... :))
Beijinho

 
At 1:27 da tarde, Blogger Nelson Reprezas disse...

Sinapse

Persianas de uma casa de campo no alçado virado ao sol não são um exemplo feliz??
:)))
Beijinhos contentes pelas tuas gargalhadas:)
P.S. Start spreading the news...
:)

 

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