O "efeito blog"
Existe uma casa de banho em Peso da Régua como não deve haver outra no mundo. E digo isto porque a usei, numa daquelas alturas em que somos todos iguais e temos de dar livre curso às funções fisiológicas que Deus achou que devíamos ter. A dita casa de banho, de interior modesto mas muito cuidado, situa-se numas instalações na falda da margem direita do rio Douro e, provavelmente por isso mesmo e pela ausência de vizinhos, a janela é uma extensa vidraça desde o tecto até ao chão. Daí que quando nos sentamos na sanita ( e vão perdoar-me estes pormenores, mas é indispensável que o refira), tenhamos a mais estranha sensação. É que não é todos os dias que nos sentamos numa sanita e, simultaneamente, contemplamos aquela beleza indescritível do rio, correndo sereno lá em baixo, entre uma paisagem que muitos de nós só conhecemos pelos folhetos turísticos. “Aquilo” é mesmo assim. O Douro é mesmo assim. Duma beleza esmagadora. E o cenário é de tal maneira belo que nos esquecemos do que estamos a fazer (afinal, se nos sentamos numa sanita é porque tínhamos uma estimável razão para isso). E ali ficamos, olhando, bebendo aquela magnífica vista e experimentando uma particular sensação de estarmos entregues a uma operação tão íntima, escancarados numa vidraça, com a certeza de que ninguém nos vê, estamos sozinhos, nós, a beleza das margens, a serenidade do rio. E é por isso que é com justificado sobressalto que ouvimos um “blog” (que, naturalmente ressalta do silêncio em que estamos envolvidos, salvo casos comprovados de irrepremível flatulência, que não era o caso, para meu descanso e de muita gente...). Um “blog” isolado, único, quase assustador por nos quebrar o silêncio e o deleite de tudo o que se estava a passar - a vista e o facto não despiciendo de nos estarmos a aliviar do que não nos faz falta. O “blog”, em si, não seria grave... o ruído até acaba por ser agradável, apesar de inesperado. Se repararmos bem, “blog” até tem uma sonoridade aprazível. Imaginemo-nos num parque bucólico duma cidade, a contemplarmos uns simpáticos cisnes nadando num pequeno lago e, ao atirarmos, por exemplo, um pedaço de pão aos cisnes, ouvirmos... “blog” quando o pedaço de pão bate na água. Convenhamos que não é coisa que mova um poeta a ir para casa a correr fazer versos, mas que até é um som simpático, é: - “Blog”... Só que eu não estava num parque a ver cisnes a nadar num lago. Estava sentado, com deleite, admito, pelas razões expostas, numa sanita. E o “blog” não foi só ruído. Torna-se-me claro que ao “blog” sonoro se sucedeu um respingo, mudo, de água que molhou (e agora vou apelar para aqueles que tenham um mínimo de conhecimentos de anatomia topográfica) toda a “região autónoma glúteo- períneo- escrotal” . E mais não digo, que isto já raia a escatologia. Apenas porque, se um respingo de água em semelhante região pode ser até agradável, assim que pensamos donde vem essa água, imediatamente sentimos alguma repulsa, já que os pingos se elevam dum meio prenhe daquilo a que os analistas chamam coliformes fecais (eu explico: fezes em forma coloidal e coloidal, se não sabem, comprem um compêndio de química). Foi aquilo a que chamei o “efeito blog”. Passada a surpresa olhei para baixo. E se olhar para baixo pode constituir razão para que “gostemos do que vemos”, desta vez, não gostei. Então não é que a sanita era daquela antigas, sem aquele design estudado ao milímetro, com uma convexidade que faz com que os .... pois, isso... sejam amortecidos antes de entrar na água? E que o percurso dos... hummm, claro, “isso” outra vez, se faz numa etapa directa, mergulhando que nem um fuso na água e provocando um sonoro e respingante “blog”? Bom... não havia nada a fazer senão enxaguar a “região autónoma” e gerar subconscientemente uma aversão aos “efeitos blog”. E concluír que por mais lírico que o enquadramento seja, um “blog” é um blog” e, como qualquer blog digno desse nome, respinga... Desde aí passei a andar sempre com toalhetes. Prontos para me secar de imprevistos “efeitos blog”. Ou, plano “B”, limito-me a ignorar o “efeito blog” e continuar a manter uma atitude despreocupada e indiferente, sempre que tenho de me sentar. Numa sanita, ou ao computador.
4 Comments:
Sempre achei que o Douro é traiçoeiro. A gente distrai-se e de repente, BLOG.
Rin-Tin-Tin
Cumpre-se mais uma vez o maravilhoso poder da pena ao criar-se semelhança em algo tão díspar. WC ou PC? PC ou WC, parece que não sei viver sem nenhum deles!
Sabendo de que casa de banho se trata, porque me foi dito pelo autor, imagino que o efeito 'blog' terá sido um requisito do propietário, e não uma consequência das características do material sanitário...para assim penalizar quem lá vai, iamginando que se pode dar ao direito do deleite da paisagem...e baixando, por via directa (ai estes segundos sentidos...) a produtividade. Só espero que o mesmo efeito não se (re)produza no PC... para não perdermos esta 'veia' poética inspirada (inspiradora)
Meu caro ABF, o efeito blog na casa de banho em apreço situa-se ao milímetro no enquadramento da construção toda. Os respingos são sempre os mesmos, ao longo dos anos, os coliformes fecais é que vão variando de Ph conforme a rotação dos utentes...
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