segunda-feira, agosto 23, 2004

Mau pr'á "ingrícola"

A agricultura é, para muitos de nós, algo que nos passa ao lado. Qualquer coisa de que o cidadão comum sabe que “vai mal”, que “os espanhóis nos vêm vender fruta mais barata”, que as nossas cerejas, melões e laranjas é que são saborosos e pouco mais. Todavia, a agricultura representa para a maioria dos países europeus uma percentagem elevada do produto e do emprego. Numa altura em que a União Europeia tem dez novos Estados-membros (Chipre, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, República Checa e República Eslovaca) é imperativo que Portugal “perceba” o que isso pode representar a nível de fundos estruturais europeus. Há previsões que esses fundos possam ser reduzidos em 10%. E a razão é simples. Portugal beneficiou de programas de convergência na agricultura europeia e há, agora, dez novos Estados que viram chegar a sua vez. E o problema não é de somenos. Determinados produtos agrícolas e pecuários têm hoje um peso considerável na percentagem do produto de alguns dos novos Estados-membros, o que obrigará a elaborados estudos de proporcionalidade. A batata, por ex., representa 9% da produção agrícola da Letónia e Malta e 10,4% da Lituânia. Mais de 19% da produção agrícola de Malta refere-se a frutas e os cereais atingem valores como 15,6% na Eslováquia, 17,6% na Hungria, 18% na Polónia e uns surprendentes 20,1% na Rep. Checa. Não é preciso estar-se muito por dentro das grandes questões agró-pecuárias para se perceber a importância de valores percentuais tão elevados e do reflexo que eles terão na análise de distribuição de fundos estruturais. Sabendo ainda que a entrada destes novos países vai representar um crescimento da superfície agrícola em 30%, bem assim como da produção agrícola com os mesmos 30% e que 17% da população daqueles países trabalha na agricultura, receio o pior. E o pior será que passados os tempos das vacas gordas em que poderíamos ter impulsionado o nosso sector agró-pecuário, não vejo que o nosso governo (este, o anterior, o anterior ao anterior) esteja minimamente posicionado e preparado para encarar os problemas que se avizinham. Afinal, esta e outras grandes questões que deveriam preocupar os cidadãos e, sobretudo, o governo. Eu sei que há outras prioridades... as cassetes, o Souto Moura, o Pinto da Costa, a campanha do PS, as namoradas de Santana Lopes, os comentários do professsor Marcelo (Uff, finalmente vejo que o professor Marcelo reparou ontem que as milícias árabes andam a matar pretos no Sudão... fiquei bastante mais sossegado), o Zé Maria que pirou e o outro que anda passar jóias no aeroporto. Mas que diabo, por uma vez, bem que poderia aparecer alguém que conseguisse transmitir aos portugueses a ideia de que há questões relevantes para além da magna cuscovilhice nacional. Mas com cuidado, claro, para o caldo não entornar. A título de exemplo, e já que estamos a falar de agricultura, recordo-me ter ouvido uma observação recente do ex-ministro de agricultura Sevinate Pinto sobre a impreparação dos bombeiros para o ataque aos fogos florestais, o que era óbvio e não tinha nada de desprestigiante - é um dado adquirido que os bombeiros, até há bem pouco tempo, eram treinados para apagar fogos urbanos, com as tais escadas Magirus e mangueiradas de água. Aqui d’el Rei que o homem é louco e está a insultar os bombeiros. Era bom que conseguíssemos ultrapassar esta nossa atávica capacidade reactiva e conseguíssemos um melhor enquadramento com os verdadeiros problemas que nos afligem. Quando eu tinha 20 anos, achava que alguns anos depois nos tornaríamos mais eficazes, modernos e menos provincianos. Hoje, na sei...

NOTA: Os dados percentuais referidos são citados, com a devida vénia, de um trabalho da engª Isabel Martins.