Black & White
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Pior que pretos racistas só mesmo brancos preconceituosos. A caixa de comentários a este post do JCD é um exemplo espantoso da figura do branco de calções, meia alta e chapéu colonial (daqueles de cortiça, vulgarizados pelos ingleses) que, de repente, despe os calções e as meias e descobre que tem uma nobre missão na Terra, qual seja a de cuidar dos pretos. Ensiná-los a “estar”, protegê-los nas suas fraquezas e das injustiças de que foram alvo ao longo dos séculos e, sobretudo, preservá-los da ignomínia e crueldade da Natureza os ter feito pretos.
Eu conheci brancos assim, no período pós independência em Moçambique. Peroravam exactamente neste registo, entre um berro mandado para a cozinha para o “moleque” (a quem, entretanto e qual "homem novo", passaram a chamar "companheiro") a pedir uma cerveja e um telefonema para a polícia secreta a denunciar um tipo qualquer, desde que fosse branco, de sabotagem económica. Foi numa altura em que os brancos saltavam dos Mercedes para fazer, a pé, o trajecto do desfile do 1º de Maio até ao Largo do Conselho Executivo onde, lá chegados, já não tinham paciência para ouvir Machel e regressavam a casa, retomando o carro, para voltar a berrar para a cozinha para o preto lhes trazer outra cerveja gelada. Foi no tempo em que muitos brancos passaram a palavra sobre uma das mais idiotas expressões populares (e, do meu posto de vista, racistas-paternalistas que, por definição, é bem pior que apenas racistas) e que dava pelo nome de “cerveja escura”, sempre que se pedia uma cerveja preta e que era a expressão usada tanto por pretos como por brancos até essa altura. Ouvi, várias vezes, clientes brancos a "explicar" (com aquela superioridade epidérmica que Deus lhes deu) aos empregados pretos que “agora” a cerveja preta se chamava cerveja escura, eles que não esquecessem, porque “agora era assim” (aos empregados, muitas vezes, só lhes faltava dizer "sim senhor, patrão"). A “cerveja escura” vulgarizou-se e ainda hoje é usada em Moçambique, muitas vezes por indivíduos de uma geração que não ouviu já falar da cerveja preta.
No incidente de Carcavelos, assisti a uma catadupa de comentários a este post do JCD onde muitos deles se insurgiam sobre a necessidade de se identificar a etnia dos jovens que andaram ao estalo e, de caminho, esqueceram as rivalidades e diferenças para mandar umas "arrochadas" na polícia e roubarem uma série de objectos. O JCD deu-se ao trabalho de “explicar” porque é que achava que a informação devia conter a indicação da etnia, se bem que o ponto principal do seu post terá sido a imbecilidade do repórter da SIC, muito chateado porque não havia queixas contra a eventual desproporcionalidade da actuação da polícia.
Pior que pretos racistas só mesmo brancos preconceituosos. A caixa de comentários a este post do JCD é um exemplo espantoso da figura do branco de calções, meia alta e chapéu colonial (daqueles de cortiça, vulgarizados pelos ingleses) que, de repente, despe os calções e as meias e descobre que tem uma nobre missão na Terra, qual seja a de cuidar dos pretos. Ensiná-los a “estar”, protegê-los nas suas fraquezas e das injustiças de que foram alvo ao longo dos séculos e, sobretudo, preservá-los da ignomínia e crueldade da Natureza os ter feito pretos.
Eu conheci brancos assim, no período pós independência em Moçambique. Peroravam exactamente neste registo, entre um berro mandado para a cozinha para o “moleque” (a quem, entretanto e qual "homem novo", passaram a chamar "companheiro") a pedir uma cerveja e um telefonema para a polícia secreta a denunciar um tipo qualquer, desde que fosse branco, de sabotagem económica. Foi numa altura em que os brancos saltavam dos Mercedes para fazer, a pé, o trajecto do desfile do 1º de Maio até ao Largo do Conselho Executivo onde, lá chegados, já não tinham paciência para ouvir Machel e regressavam a casa, retomando o carro, para voltar a berrar para a cozinha para o preto lhes trazer outra cerveja gelada. Foi no tempo em que muitos brancos passaram a palavra sobre uma das mais idiotas expressões populares (e, do meu posto de vista, racistas-paternalistas que, por definição, é bem pior que apenas racistas) e que dava pelo nome de “cerveja escura”, sempre que se pedia uma cerveja preta e que era a expressão usada tanto por pretos como por brancos até essa altura. Ouvi, várias vezes, clientes brancos a "explicar" (com aquela superioridade epidérmica que Deus lhes deu) aos empregados pretos que “agora” a cerveja preta se chamava cerveja escura, eles que não esquecessem, porque “agora era assim” (aos empregados, muitas vezes, só lhes faltava dizer "sim senhor, patrão"). A “cerveja escura” vulgarizou-se e ainda hoje é usada em Moçambique, muitas vezes por indivíduos de uma geração que não ouviu já falar da cerveja preta.
No incidente de Carcavelos, assisti a uma catadupa de comentários a este post do JCD onde muitos deles se insurgiam sobre a necessidade de se identificar a etnia dos jovens que andaram ao estalo e, de caminho, esqueceram as rivalidades e diferenças para mandar umas "arrochadas" na polícia e roubarem uma série de objectos. O JCD deu-se ao trabalho de “explicar” porque é que achava que a informação devia conter a indicação da etnia, se bem que o ponto principal do seu post terá sido a imbecilidade do repórter da SIC, muito chateado porque não havia queixas contra a eventual desproporcionalidade da actuação da polícia.
Aposto que muitos dos comentaristas nunca terão estado em África. Falam por ouvir dizer ou por reacção epidérmica (aqui, no sentido literal) porque acham que os pretos devem ser poupados à "tragédia de terem nascido pretos". Não vêem ou não percebem que, com a mesma naturalidade com que um polícia nova-iorquino, branco ou preto, por exemplo, identifica um fugitivo através de um pormenor que deve ajudar bastante na sua detecção, ou seja se é preto, branco, asiático ou hispânico, os pretos deveriam merecer o respeito de não serem tratados como se o mundo contivesse um imenso abrigo de desgraçadinhos (pretos) naturalmente cuidados, monitorizados e ensinados pelos privilegiados brancos. Sobretudo quando escrevem em blogues e acham que detêm a chave da nona porta para… seja lá o que for que lhes vai na cabeça quando acham que não se deve mencionar se um homem é preto ou é branco.
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9 Comments:
Eu abomino gente assim:
entre um berro mandado para a cozinha para o “moleque” (a quem, entretanto e qual "homem novo", passaram a chamar "companheiro") a pedir uma cerveja
os brancos saltavam dos Mercedes para fazer, a pé, o trajecto do desfile do 1º de Maio até ao Largo do Conselho Executivo onde, lá chegados, já não tinham paciência para ouvir Machel e regressavam a casa, retomando o carro, para voltar a berrar para a cozinha para o preto lhes trazer outra cerveja gelada.
Engraçado é ouvir o mesmo tratamento dado por um preto (patrão) a outro preto (mainato) em plena luz do dia, no Miami, na Ilha de Luanda.
Gostava mais dos 'velhos'colonos. Construíam, educavam, rezavam e muitas vezes até se tornavam mais civilizados.
sinapse
Eu também...
Tenho anado a pensar que és a mulher mais sortuda que conheço... :))) mas tu mereces, porque és boa mecinha
:)
muxanga
"Isso" que mencionas é uma experiência mais "avançada" e com substrato antropológico (não acredito que disse isto mas olha, já que disse, está dito).
Um abraço
:)))
Maputo está agora coberto de painéis (outdoors, diz-se) publicitando "esta preta é muito boa", uma marca de cerveja claro ...
cumprimentos (extensíveis)
jpt
Folgo bastante com a notícia. Na verdade já aí não vou vai para três anos e não sabia dos painéis. E isso prova que há sempre uma dinâmica própria das coisas, das pessoas e das ideias.
Um abraço aí para o paralelo 27
Belíssimo texto, Espumante. E muito útil para limpeza de algumas ideias turvas sobre racismo que para aí abundam, defendidas por gente que quer tirar daí algum proveito.
Parabéns.
Ana v.
Ui! um elogio assim não se recebe todos os dias de uma vizinha :))
Um beijinho
Outro, vizinho.
:)
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