Acordar correctamente

[1891]

Quem, circunstancialmente, adormecer com a televisão ligada, pode ter a certeza que acorda no dia seguinte com uma programação (noticiosa?) ímpar. E pode ter a certeza que sai de casa devidamente avisado sobre a excelência dos frutos vermelhos, cheios de "oxidantes" maravilhosos, que deve comer, das gorduras que deve ignorar, do cigarro que deve esconjurar, da condução automóvel que deve evitar, da forma de escrever vários vocábulos portugueses que já aprendera na antiga 4ª classe, de quanto gasta por ano em energia pelo facto de não apagar completamente os televisores, da importância dos sobreiros na nossa vida e dos malefícios do eucalipto, do exercício físico que deve fazer, da obesidade que deve evitar, dos tomates de estufa que são tratados com produtos horríveis que lhes roubam as resistências às doenças (esta é, no mínimo, hilariante, dita com aquele ar que só a RTP consegue, de que há por aí um grupo de malfeitores capitalistas que todos os dias acordam e se perguntam: - Quem é que vamos lixar hoje?), dos ventos que vão soprar de um quadrante qualquer por força de uma crista de pressões que, altas ou baixas, vão causar uma temperatura de "x" (coisa que me bastaria saber, mais se chove ou não), que há não sei quantas mil crianças hiper-activas em Portugal e outras maravilhas entremeadas pela expressão de um milhão de políticos que desde o resultado das eleições já devem ter proferido a expressão "assumo as minhas responsabilidades", um milhão de vezes (neste particular, é SEMPRE de desconfiar, mais do que o habitual, quando um político diz "assumo as minhas responsabilidades", com aquele ar de quem acabou de ir a missa).

Lembro-me frequentemente do Mel Brooks a apanhar um táxi novaiorquino num filme de cowboys e dizer para o motorista "tirem-me deste filme".

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