Falando de lagartas
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Minha querida amiga. Este post é inteirinho para ti. Porque me deste um miminho, um mimão diria eu, e eu não posso ficar indiferente. Vais dar-me uma trabalheira, porque me obrigarás a remexer a memória - mas por ti faço tudo. Ou não me tivesses feito o comentário mais doce que alguma vez recebi por aqui.
Portanto, e já que queres falar de lagartas (tu é que disseste…) não te falarei da lagarta do pinheiro (Processionaria), porque é uma coisa pífia e menor. Uma acção urticante nos putos e pouco mais. E isto nos humanos, porque aos pinheiros nem faz mossa por aí além. Coisas da Europa, sem a brutalidade de África, aquela África onde tudo acontece à bruta desde as viagens MMBA (Miles and Miles of Bloody Africa) até às frutas estranhas e agressivas como as papaias, as mangas e as goiabas da Madalena, dos calores tórridos das planícies, aos frios gelados das montanhas e às chuvas torrenciais que tudo levam à frente, das depressões tropicais com ventos ciclónicos aos tubarões de dentes do tamanho de triângulos de sinalização automóvel, das cheias devastadoras e secas gretantes, dos odores que nos fremem as narinas a quilómetros de distância, aos sabores exóticos e cores tão garridas que nos sentimos confundidos com o arco íris, uma queimada na montanha, um pôr de sol de fogo, tudo salpicado com os verdes mais verdes das acácias em contraste directo com o vermelho sanguíneo das sua próprias flores (as cantadas acácias rubras de Maputo).
Tudo á bruta, portanto. “África terra bruta que até à papaia lhe chamam de fruta"!
Ora com lagartas, a coisa é parecida. Enquanto que na civilizada e elegante Europa a Processionária (lagarta do pinheiro) provoca uma urticariazinha irritante e atemoriza as crianças, nomeadamente o teu neto, em África há uma lagarta vulgarmente conhecida por Prodenia, cujas principais representantes (são primas) são a Spodoptera litoralis e a Prodenia litura. À primeira vista, são lagartas como as outras. Cinco ou seis cm de comprimento, têm um ar pacífico e, diria até, simpático. O busílis é que… estamos a falar de África. E o que acontece é que as posturas dos insectos adultos contam às vezes com mais de mil milhões de ovos. De repente, em seis horas, os ovos eclodem ao mesmo tempo. Na terceira fase larvar (3rd instar, não sei traduzir isto melhor…) as lagartas (os tais mil milhões que os americanos, com o seu espírito prático, chamam de um bilião) estão prontas para a mais extraordinária operação de destruição jamais vista no reino vegetal. Só comparada com a do gafanhoto marroquino (Doceausturus marocanus) e, vamos lá, aos pardais em tempos de sementeira de arroz. O exército das Prodenias (porque de um exército se trata…) actua em estrita conformidade com um qualquer sinal de comando e iniciam a invasão de um campo de milho, cana sacarina, algodão, qualquer coisa que tenha folhas, em ordem unida, DEVORANDO TUDO o que lhes vai aparecendo no caminho, deixando apenas fustes e raízes. A invasão e actividade são de tal maneira intensas que a mastigação e a marcha da lagarta invasora provocam uma zoada audível a centenas de metros e podem destruir uma cultura à cadência de um hectare (10.000 m2, um campo de futebol) em cerca de 12 minutos.
Pronto minha amiga. Tens aqui uma história de lagartas, como me pediste, em sinal de apreço pelo teu simpático e gentil comentário.
Resta dizer que o controle químico desta lagarta é relativamente fácil, desde que se detecte os locais de postura e usando produtos com efeito ovicida. Ou, alternativamente, matando as larvas com um vulgar organo-fosforado, dos muitos que existem no mercado.
São historietas deste género que nos fazem pensar que África é realmente um continente ímpar e que tudo lá ganha uma magnitude inatingível noutras latitudes. Mas isto digo eu, que hoje me apeteceu falar de lagartas, a teu pedido.
Um grande beijinho para ti.
Minha querida amiga. Este post é inteirinho para ti. Porque me deste um miminho, um mimão diria eu, e eu não posso ficar indiferente. Vais dar-me uma trabalheira, porque me obrigarás a remexer a memória - mas por ti faço tudo. Ou não me tivesses feito o comentário mais doce que alguma vez recebi por aqui.
Portanto, e já que queres falar de lagartas (tu é que disseste…) não te falarei da lagarta do pinheiro (Processionaria), porque é uma coisa pífia e menor. Uma acção urticante nos putos e pouco mais. E isto nos humanos, porque aos pinheiros nem faz mossa por aí além. Coisas da Europa, sem a brutalidade de África, aquela África onde tudo acontece à bruta desde as viagens MMBA (Miles and Miles of Bloody Africa) até às frutas estranhas e agressivas como as papaias, as mangas e as goiabas da Madalena, dos calores tórridos das planícies, aos frios gelados das montanhas e às chuvas torrenciais que tudo levam à frente, das depressões tropicais com ventos ciclónicos aos tubarões de dentes do tamanho de triângulos de sinalização automóvel, das cheias devastadoras e secas gretantes, dos odores que nos fremem as narinas a quilómetros de distância, aos sabores exóticos e cores tão garridas que nos sentimos confundidos com o arco íris, uma queimada na montanha, um pôr de sol de fogo, tudo salpicado com os verdes mais verdes das acácias em contraste directo com o vermelho sanguíneo das sua próprias flores (as cantadas acácias rubras de Maputo).
Tudo á bruta, portanto. “África terra bruta que até à papaia lhe chamam de fruta"!
Ora com lagartas, a coisa é parecida. Enquanto que na civilizada e elegante Europa a Processionária (lagarta do pinheiro) provoca uma urticariazinha irritante e atemoriza as crianças, nomeadamente o teu neto, em África há uma lagarta vulgarmente conhecida por Prodenia, cujas principais representantes (são primas) são a Spodoptera litoralis e a Prodenia litura. À primeira vista, são lagartas como as outras. Cinco ou seis cm de comprimento, têm um ar pacífico e, diria até, simpático. O busílis é que… estamos a falar de África. E o que acontece é que as posturas dos insectos adultos contam às vezes com mais de mil milhões de ovos. De repente, em seis horas, os ovos eclodem ao mesmo tempo. Na terceira fase larvar (3rd instar, não sei traduzir isto melhor…) as lagartas (os tais mil milhões que os americanos, com o seu espírito prático, chamam de um bilião) estão prontas para a mais extraordinária operação de destruição jamais vista no reino vegetal. Só comparada com a do gafanhoto marroquino (Doceausturus marocanus) e, vamos lá, aos pardais em tempos de sementeira de arroz. O exército das Prodenias (porque de um exército se trata…) actua em estrita conformidade com um qualquer sinal de comando e iniciam a invasão de um campo de milho, cana sacarina, algodão, qualquer coisa que tenha folhas, em ordem unida, DEVORANDO TUDO o que lhes vai aparecendo no caminho, deixando apenas fustes e raízes. A invasão e actividade são de tal maneira intensas que a mastigação e a marcha da lagarta invasora provocam uma zoada audível a centenas de metros e podem destruir uma cultura à cadência de um hectare (10.000 m2, um campo de futebol) em cerca de 12 minutos.
Pronto minha amiga. Tens aqui uma história de lagartas, como me pediste, em sinal de apreço pelo teu simpático e gentil comentário.
Resta dizer que o controle químico desta lagarta é relativamente fácil, desde que se detecte os locais de postura e usando produtos com efeito ovicida. Ou, alternativamente, matando as larvas com um vulgar organo-fosforado, dos muitos que existem no mercado.
São historietas deste género que nos fazem pensar que África é realmente um continente ímpar e que tudo lá ganha uma magnitude inatingível noutras latitudes. Mas isto digo eu, que hoje me apeteceu falar de lagartas, a teu pedido.
Um grande beijinho para ti.
Foto: Spodoptera litoralis
9 Comments:
Ele é tomates, ele é algodão, ele é cana de açucar, o Espumante está definitivamente vegetariano :)
Vegetariano? Então e as lagartas?
;)
Espumante
Que dizer?
Na verdade, fiquei tão obnubilada que nem sei que escreva.
Mas confirmo o que já tinha dito antes: é um prazer imenso ler estes teus textos. Nunca pensei aprender tanto sobre lagartas especiais – claro, de África têm que ser especiais – e nunca pensei que se pudesse dissertar tão magnificamente sobre as mesmas lagartas. É espantoso!
Eu não mereço tão grande honra.
Muito obrigada.
Beijinhos
Por estas e por outras que sou eu um ser mais rico, responsabilidade acrescida diga-se. Conta lá aquela em que o teu barco foi com o mar e voltou, em Santa Maria. Estou certa de fazer as delícias de muitos. E a tua própria. Beijos babados :)
- Anónimo da meia noite e 17
Eu diria mais - definitivamente vegetariano.
- Anónimo da meia noite e 49
Eu diria mais. Então e as lagartas?
Laura
Não digas nada. O gosto foi meu. E foi só uma pequena brincadeira por teres falado em lagartas :))
Beijinhos
mmicr
A história do barco pode fivar para um dia... mais tarde. Precisa de um pouco mais de engenho e boa disposição :))))
Beijo muito grande para ti
Você é magnifico!
Apenas quero deixar aqui expresso a minha admiração por si.
África, África ...
Ó Sharck
Você está superlativo, homem :)
África espera por si. Vá por mim...
:)
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