sábado, fevereiro 19, 2005

Meditar...mas pouco



O "Saco da Inhaca" é um zona de meandros e baixios na ponta sul da Ilha da Inhaca e que precede o Canal de Santa Maria que liga o "deep Ocean" (Índico) à Baía de Maputo (Delagoa). Um nauta experimentado percorre estes meandros com relativa facilidade, passando "a metros" de bandos de milhares de flamingos-rosa que nos olham com alguma indiferença e tolerãncia. Mia Couto sabe do que falo, pois foi lá que fez um trabalho de Biologia. A visão destas aves e o pecurso até ao Canal, a caminho da Ponta Abril, Ponta Malogane, Reserva dos Elefantes, etc., até à Ponta do Ouro (de barco claro)é um bom tópico de meditação e que nos reconcilia com a vida.

Porque estou doente e parcialmente incapacitado, achei que devia levar à letra o espírito do chamada “dia de reflexão” sobre o voto de amanhã.

Assim animado do mais democrático espírito que pude rebuscar entre cinco espirros, uma sova nas região lombar e um peso de cinco quilos em cada pálpebra, equipei-me de café, cigarros (pois... nem a gripe), uma caixa de lenços de papel, um edredon, seleccionei boa música brasileira e estirei-me no sofá. Melhor – estirei-me uma meia dúzia de vezes, já que cada vez que me deitava com a ideia que tinha “tudo” preparado, faltava qualquer coisa, desde o controlo remoto, aos óculos de ler. Persistente, acabei por me sentir instalado e pronto a “meditar”.

Deixei-me, assim , conduzir pelas asas da meditação que me levaram a coisas tão diferentes como um bando de flamingos do Índico ou um corte de cabelo no meu salão (dantes dizia-se barbeiro, apesar de eu sempre fazer a barba em casa) do costume; das mulheres bonitas (este bonitas é, mesmo, num sentido lato...) que conheci na minha vida à questão do aborto. Dos filhos que tenho aos lugares que conheci. Do gosto que tenho por carros, à cabidela que detesto. Da família onde grelei à outra que acabei por gerar através de pecadilhos, erros de percurso, manobras arriscadas e metas cortadas em frenesi de vitória, em circuitos sinuosos e cheios de perigos de condução, mesmo com várias saídas de pista e “pannes” inesperadas. Dos livros que li e outros que não cheguei a ler e se calhar já não leio. Dos céus do hemisfério sul (não é lugar comum nem figura de retórica dizer que são diferentes, mais bonitos e com uma dose de magia que os do hemisfério norte não têm), ao fetiche das ondas do Guincho. Dos pergaminhos e boiões de cultura de museus que visitei às cidades arrojadas e geométricas, cada qual com o seu encanto próprio. Dos “wide open spaces" dos grandes continentes às ruas empedradas e estreitas de aldeias portuguesas com gente que ali nasce, vive e morre sem contacto com o mundo que não seja um reality show de televisão ou a visita estratégica de um líder político em campanha. De Cascais cosmopolita e snob às ruas tenebrosas de Moscavide...

Acho que foi quando cheguei a Moscavide que devo ter adormecido, pois acordei com uma algaraviada de gente empunhando bandeirinhas a dar vivas a um partido político e a um líder entretido a rir e dar beijinhos a mulheres e crianças e a falar de choques e qualquer coisa que tinha a ver com “graça de deus” e mulheres vestidas de preto a vender queijo flamengo e bolachas-maria e levei algum tempo a perceber que tinha estado a sonhar. Descontente com o destino final da minha meditação, achei que poderia e deveria tentar meditar outra vez. Mas voltei a espirrar, a assoar-me, senti-me farto do sofá, a música brasileira já se extinguira, tanto quanto a minha vontade de meditar. Talvez porque não haja tanto para meditar assim. Talvez porque meditar seja um erro e uma excessiva exigência de nós próprios. Talvez, ainda, porque os tempos de hoje são imediatistas, fluidos e tendencialmente desprovidos de conteúdo. Talvez, ainda, porque meditar sobre o voto eleitoral de amanhã me parece tão desnecessário como levar um frigorífico para o Polo Norte. Porque os meus políticos não o merecem, porque provavelmente ninguém se merece já a ninguém – e seja melhor e mais avisado vestir a pele de Álvaro de Campos e introverter a parte final do seu admirável “Mestre” em que ele remata assim uma sua meditação:

(...Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
Poeta decadente, estupidamente pretensioso,
Que poderia ao menos vir a agradar,
E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!
Feliz o homem marçano
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir)
.

E o melhor mesmo é ir ao duche, meter-me no carro e ir tomar um café ao sol da Casa da Guia, mesmo com espirros e tudo e encontrar alguém de jeito para falar mal de alguém...

Bom fim de semana para todos.

8 Comments:

At 6:15 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Dizem que quando vem, ataca forte, deixa rasto e custa a passar. Pertenço ainda ao grupo dos pseudo-imunes..Não posso fazer comparações.
O sol desta tarde foi esplendoroso, mas estamos no inverno, quer queiramos ou não.
Rápidas melhoras. E até à cura total vá escrevendo umas coisas. Nota-se que o dito ainda não lhe atacou a massa cinzenta :)
- Gota

 
At 6:15 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Dizem que quando vem, ataca forte, deixa rasto e custa a passar. Pertenço ainda ao grupo dos pseudo-imunes..Não posso fazer comparações.
O sol desta tarde foi esplendoroso, mas estamos no inverno, quer queiramos ou não.
Rápidas melhoras. E até à cura total vá escrevendo umas coisas. Nota-se que o dito ainda não lhe atacou a massa cinzenta :)
- Gota

 
At 6:15 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Dizem que quando vem, ataca forte, deixa rasto e custa a passar. Pertenço ainda ao grupo dos pseudo-imunes..Não posso fazer comparações.
O sol desta tarde foi esplendoroso, mas estamos no inverno, quer queiramos ou não.
Rápidas melhoras. E até à cura total vá escrevendo umas coisas. Nota-se que o dito ainda não lhe atacou a massa cinzenta :)
- Gota

 
At 6:15 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Dizem que quando vem, ataca forte, deixa rasto e custa a passar. Pertenço ainda ao grupo dos pseudo-imunes..Não posso fazer comparações.
O sol desta tarde foi esplendoroso, mas estamos no inverno, quer queiramos ou não.
Rápidas melhoras. E até à cura total vá escrevendo umas coisas. Nota-se que o dito ainda não lhe atacou a massa cinzenta :)
- Gota

 
At 6:45 da tarde, Blogger Madalena disse...

Os comentários estão escondidos e o que eu ia a dizer já a gotinha disse e tornou a dizer e tornou a dizer... A inspiração está perfeita. A gripe não a atacou!!!
Será que o Blogger também entrou em meditação profunda?
É que eu também me sinto esquisita, assim meio ou meia não sei como...
Passa pelo meu espaçozito (T1) e ouve a Petula!
Beijinhos e muitas, muitas melhoras.
Não me peguem a gripe que eu tenho mesmo de ir votar. O meu voto está a contar para a maioria absoluta.(ihihih)

 
At 11:27 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Xiiii 4 vezes??!!Apenas e só porque estava demorando o enter e eu fui carregando, carregando, pelos vistos 4 vezes.Peço desculpa pelo mau aspecto que tou a causar...Gota

 
At 1:14 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Gota
Obregado belo cobêtário bas isto tá bau... espirro bais do que respiro e parece que û saco de porrada. Vu escrebedddo até be setttir belhor :)
NOTA_: Correcção - pelos 4 comentáros :)

 
At 1:15 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Madalena
Obrigado pleo comentário. Passei pelo teu T1 mas não ouvi a Petula porque estou com um problema qualquer nas colunas. Fica a intenção e... bom voto :)))

 

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