Sou eu, Lisboa
É o que ela diz. Mas não é ela. Nem sequer é de Lisboa. Aliás, ser de Lisboa, hoje, é não ser . É detestá-la por não ter a sama dos pinheiros de Leiria ou da Batalha, é amá-la porque sim. Tal como ser e não ser, ser "eu" é ser ela, a outra, a que não é, mas diz que é, provavelmente porque gostava de sê-lo. Ou, ainda, porque é, mas não pode sê-lo, porque a não deixam. Tal como ser de Lisboa, um aforismo que sai caro, por cada vez que se respira o ar fresco da costa oeste. Mas ela diz que é ela e diz que é de Lisboa. É a forma apoucopada de se dizer o que não é, é o covil de nós próprios, é a toca onde hibernamos em regime permanente dos invernos de que não gostamos. E,também, porque para ela dizer quem é, teria de usar mil folhas de um papel que não tem. Por isso é bem mais cómodo dizer que sim, que é ela e, ainda por cima, de Lisboa. Há um fenómeno subjacente a este ser e não ser, há o facto subjectivo de sermos o que não somos e vivermos onde não vivemos. Só nós saberemos porquê. E não o dizemos a ninguem. Frequentemente, nem a nós próprios. Deixamos, assim, uma forma testamentária de identidade para que nunca ninguem saiba quem somos e todos saibam que não somos. Nada de novo, afinal.. é o mistério e o fascínio de podermos deixar caminho aberto a mil coisas que somos ou poderíamos ser e de sermos de mil sítios de onde poderíamos ser. Só eu e ela saberemos do que estou para aqui a dizer. Provavelmente, nem nós. Porque o que estou a dizer tanto pode ser sobre ela como de outra pessoa qualquer...e tanto posso ser eu a escrever como um qualquer ser imaginário que diz que sou eu, de Lisboa.
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